Flutuante

É difícil inverter os papeis.
Como se acordasse dentro de um filme bom, sem vilões ou perigos. Com seus cabelos ao vento e a brisa doce da manhã em seu rosto.
Seus olhos refletiam a luz da felicidade que transbordava em seu peito. Talvez paixão, amor, a alegria por ter encontrado sua razão, seu propósito.
E ela olhava para os motivos, que estavam ali, tão próximos que lhe escapara por anos, tentando descobrir algo que não se percebe com esforço, se sente tão naturalmente quanto respirar, quanto suspirar a um único toque.
O que ela procurou foi por um sorriso, em meio a todos aqueles que passaram despercebidos, um sorriso que falasse mais que mil palavras, lhe indicasse a passagem entre seu universo e o dele, entre trevas e luz.

E ela transpôs.

...Naqueles campos de girassóis dourados, suas mãos tocavam as pétalas enquanto seus pés flutuavam em um transe profundo, uma overdose de sentimentos tão intensos que se tornavam indescritíveis e únicos.
Uma versão da paz, daquelas que nunca se viu, de serenidade reluzente que ofusca a vista. É difícil viver assim.
E ela gritou. Tão alto que sentiu o sabor amargo de ferro em sua boca. Saliva vermelha turva.
Ela gritou tão ferozmente ajoelhada nos cascalhos a beira do riacho que os pássaros se foram, e as folhas tremeram como se temessem aquele som.
Mas não existiam trevas, não, ela não estava ali perdida ou desesperada, era só sentimento branco. Os raios de sol camuflavam seus cachos dourados,e ela seguia à giros por todo o local, destemida e sem temor, ofegante, transbordante de desejo por mais, por não acordar sequer quando respirar.
Os sinais estavam claros. Era uma versão pura e inconseqüente, sem erros ou acertos. Uma rebeldia saudável daquelas que assustam, um coração com aval para pulsar. Tão forte que as pétalas caíam ao seu tremor, e os ventos sopravam ao seu ritmo. Era pura certeza de vitoria.
Seus olhos refletiam a lua ao cair da noite, e ela suspirava, suspirava satisfeita olhando aos céus e suas inúmeras almas, com brilho incandescente e eterno.

É difícil viver assim.E ela apertou e serrou os pulsos com tanta força que suas unhas cravaram em seus braços, e sangue bordou os lírios que a cercavam. Não existia dor, mas angustia de finalmente ter que deixar e ir em frente.
Ela chorou em prantos.
Por quantos anos não desejou estar perdida ali, fazendo se sentir viva, suprindo seu peito de esperança e gloria, de amor anônimo, de vitorias sutis que deixam marcas só nela.
Estendeu as mãos ao céu, olhar tremulo, perguntou porque ele não estava ali para guia-la e gritou por seu nome, enquanto ouvia o silencio. O seu lugar não era ali, seria apenas mais um adeus, como todos aquelas que por anos ela ouviu. Angustia.
Os campos dourados haviam ficado para trás, ela correu tanto, que seus rastros apagaram. Se foram.
Por fim, daquele dia só lhe restaram lembranças, sementes secas de um suspiro de vida, daqueles dias que ela subornava a dor com sorrisos incandescentes.
Um dia ela conseguiria inverter os papeis que o destino lhe deu, lhe trazendo de volta, lhe ensinando que a vida pode ser maior que apenas uma jornada sem vitorias. Basta se entregar.


Labirinto


Eu procuro demais por não sei mais o que. E esta procura aos poucos esta me matando. Perdi as pistas que me levavam à saída, as passagens que me guiavam por este labirinto da vida, e hoje eu me perdi. Me perdi enquanto todos saíram daqui, rodei em círculos tentando de qualquer forma um jeito mais fácil, uma maneira sem sofrimentos de alcançar o final, mas não achei.
Eu sou apenas mais um rosto na multidão, enquanto caminho despercebido, sem ninguém sequer entender o que acontece dentro de mim.
Esta vida, se parece como uma prisão. Sem grades, sem muros, e perpetua. Uma eterna sentença de morte, sem morrer. Meus deuses só escutam meu silencio, enquanto eu luto sozinho, procurando por não sei mais o que. Meus deuses se calaram e assistem a meu declínio.
O que eu supostamente deveria fazer? Quem me dá esta resposta? Eu grito por dentro por proteção, por segurança, por força. Grito!
E os anos passam, me tirando as armas potenciais, que eu também não me importo mais. Me deixando com as palavras de protesto, as únicas verdades em que posso acreditar.
Ninguém é feliz sozinho.
Mas você não precisa se importar, pois eu não preciso ser aquilo que não consigo. Eu não preciso me tornar algo sem alma para ser feliz. O que é ser feliz?
As coisas que sinto não são amor, nem ódio. Não retratam seus olhares, não demonstram seus gestos, não rebatem em sua alma. O que fazer para se sentir feliz sem razão. Eu não acredito.
O que não preciso são de pessoas querendo me dizer o que sou, preciso de pessoas que sabem o que sou. Esta é a diferença.
Creio que já estive fora deste embaraço da vida, mas acabei jogado novamente dentro deste infinito caminho em círculos, e não sei mais sair, realmente.
O que fazer quando não se procura a felicidade aonde ela se encontra? Quantas perguntas, quanto anseio por sinais enquanto olho para o céu. Negro.
Não existem milagres, eles não acontecem aqui, não existe por acaso, nada é sem querer.
Quando eu vou encontrar a saída? Talvez eu jamais a encontre novamente. Talvez eu nunca realmente tenha achado.
Continuo gritando por dentro por proteção. E acho que já é tarde demais. Tarde demais pra sair daqui.
Pois você não consegue mais me encontrar.

Amor e Ódio

Loucos quando nos demos as mãos, correndo perante aqueles que jamais enxergariam o que éramos, e nossas bocas se tocaram pela primeira vez, para nunca mais se esquecerem. Cruzei e derrubei as barreiras de um mundo inteiro para poder te ter, além de tudo que eu poderia ter, e esperei suas respostas, que vieram com tanto fogo e paixão que eu mesmo me surpreendi. E daquele dia em diante, fomos tão intensos que nos sentimos culpados. Mas fomos intensos.
E enquanto eles riam, enquanto eles procuravam entender, eu olhei em seus olhos para sempre. E daquele dia diante ninguém mais nos separou. Daquele dia em diante, as respostas nunca mais foram secas, as palavras nunca mais foram frias, nossas vidas nunca mais foram as mesmas.
Isto é amor, insano e inquieto amor, que me proíbe de ter você, e te proíbe de me alcançar, mesmo quando está em meus braços, este estranho amor te tira de mim, ao amanhecer do dia, ao despertar da realidade, este louco amor que me trouxe você, leva distante nossas vidas.
E então desaparece, some por meses e meses, me torturando, enlouquecendo, rebuscando nas lembranças seus suspiros, tentando sentir aquilo que só existe com os dois juntos, lutando para não enlouquecer ao entender que você não esta, porque a vida não quis que estivesse. E percebo que seus passos estão seguindo outros passos, que sua vida gerou outra vida, seguindo aqueles passos, e eu entro em colapso.
Isto é ódio, mais puro e maldito ódio, que me faz desejar apenas poder te ver em meio a todos os outros, que chama sua atenção enquanto você finge que eu não existo, mas eu existo dentro de você sem controle, e você se mata por dentro por me amar.
Daquele dia em diante, não existiu mais o certo e errado. Ninguém mais pode julgar. Seus sonhos antigos desmancharam, dando lugar a paixão.
E ate hoje quando você sorri pra mim, eu recebo em meu coração. E ele transborda de satisfação por saber que longe de todos eles, quando os seus olhos se fecham como os meus, você é tão minha quanto eu sou seu.

Tão minha quanto eu sou seu.

Recriando

Realmente o que eu reflito com minha aparência se confunde com o que eu reflito com minha alma. Isso porque o inferno que vivo dentro de mim transborda pelas minhas palavras, sem que eu consiga segurar. É como prender a respiração e agüentar o máximo que puder. Ou você inevitavelmente solta, ou morre.
Eu percorro uma estrada interminável, gostaria de ser mais forte e estender meus braços para ser puxado, mas na frente, pelos caminhos que ando, não vejo ninguém. Existem os que padeceram e os que tomaram caminhos diferentes. Então não há o que fazer. Esta é uma guerra onde luto sozinho.
Eu despenquei de tão alto, que meus joelhos cravaram no chão com a força de três vidas, e então, desde então, eu tento me levantar. Com feridas, dor, cicatrizes, e sem forças.
Ao meu redor nada além de promessas de amor, suspiros de paixão, ilusões de saídas que não refletem a verdade. São sorrisos mortos, demônios que batem palma cada vez que eu os procuro, e recaio ao circulo vicioso que cresci dentro enquanto todos se distanciaram, não houve ajuda, não houve alternativas.
Eu sinto o gosto amargo do arrependimento por não ter me arrependido na hora certa. Por não ter dado dois passos para trás ao invés de um pulo à frente.
Na minha pele eu trago cicatrizes e dor, marcas do que eu sou por dentro. Mas o que eu deveria ser para você que não consigo ser nem para mim? Por favor se existe algo que eu não vejo, me mostre. Eu engoli todo meu orgulho, absorvi todas suas perguntas e não sei qual a porra da resposta que devo dar, nem sequer para mim.
Se talvez eu simplesmente andasse para frente sem olhar para trás, o que restaria? Se eu fechasse os olhos para aquilo tudo que vivi e recriasse um universo onde ainda não existissem vocês, mas não consigo reconstruir isso.
Eu esperei demais. Eu esperei demais acreditando que não deveria aceitar o fim, mas descobri que tudo acaba, mesmo a minha força de persistir.
Esta é minha vida, que eu construo e relato aqui inspirado em momentos e fragmentos que recolho das noites que desperto sem entender a razão de estar aqui, e todos os meus erros vem a tona, e quem não erra?
Eu gostaria de um dia lembrar de tudo isto, vendo tudo de longe, como um passado que um dia me fez mal, mas que servirá de exemplo, de lição para nunca esquecer de que já fui forte o bastante ao ponto de não aceitar que que eu poderia me arrepender.
Hoje ele existe.