Mundo Cinza

Existe um mundo que poucos podem ver. E ele existe tão perto daquele que conhecemos, e ao mesmo tempo tão longe, que assusta.   
Recentemente foi sutilmente representado publicamente, e me fez sentir alívio já que não sou apenas eu que tenho o dom de enxergar esse lugar. 
Esse mundo, esse inferno real que passa diante dos olhos, é tão intenso e nebuloso que te traga pra dentro, como um espiral infinito, e você pode nunca mais sair de lá.  
É um inversão dessa cortina, um universo onde a realidade por trás de todas as máscaras caem, e as palavras não surtem seus efeitos, e sorrisos não subornam a alma.  
Ele é cinza, pálido, rachado. Um silêncio oco, não reflete, não pulsa. Craquelado como vitrais em preto e branco.  
Rodeado de pessoas sem rostos, vagando perdidas buscando o incerto, o reencontro consigo mesma, uma saida deste labirinto sufocantemente confuso.  
Alguns tem o dom de derrubar esta cortina real, e flertam entre paralelos. Outros fingem que não vê, e a grande maioria não aceita e literalmente não percebe. 
Um filme antigo, um retrato da dor, das mentiras, um limbo mutante dissolvendo pessoas e despindo almas. 
Sou um desses "abençoados" com a lucidez de enxergar o inxergável. Com a maldita condição de transpor sua carcaça e remexer no seu âmago. 
E isso incomoda. Muito. Isso judia. Não há dor maior que a da transparência.  Que revela seus contornos, traços, rascunhos. Ninguém quer se ver despido por dentro. 
Paralelo que me impede de dormir, que me convida nas madrugadas à visitá-lo, enquanto você, aqui, dorme. 
Já perdi as contas de quantas vezes rastejo por este lugar, e de quantas vezes durante anos, dilacerei a alma de muitos infelizes que cruzaram meu caminho, e ignorantes, não perceberam nada.  
Hoje confesso, tento lutar contra na maioria das vezes. Não é prazeroso, não é saudável. Dói, desgasta, maltrata a gente.  
Mas com a certeza plena de que nunca deixará de existir dentro de mim.  


O Fim Do Labirinto Da Dor - Meio

Antes haviam dúzias de porquês, hoje há alguns. Alguns deles temerosos a maioria das pessoas, e insistentes guerreiros à mim. Uma batalha redundante e angustiante, de dentro pra fora, invisível. 
A cada dia, mês, ano que se passa, eu me conformo com a inexistência da perfeição, e a dor da desilusão. Talvez uma desilusão tão utópica que só eu criei, e me mantive fiel, derrotando dúvidas mas sucumbindo à vida. Ela sim é justa sem fazer força. Como um curso natural. 
O fim do labirinto da dor é na verdade uma organização fúnebre de verdades imutáveis. Uma constatação cruel de que faça o que for, não será.  Lute como nunca lutou, e perca como sempre perdeu. Não há nada a ser refeito. 
Ao redor o que vejo são insensíveis vidas que se perdem na ignorância e dissolvem ao tempo. Castelos imensos, de frágil areia, ruindo e se desfazendo aos olhos testemunhosos de quem talvez nem enxergue, enquanto eu, daqui, não me conformo. 
Dessas milhares de vezes que perdi a noção do tempo tentando achar o tempo que perdi tentando ter noção, me deparei com tudo que não posso mudar, apenas aceitar. E aceitar aqui, veja bem, não é desistir, não é se entregar, não é parar. Aceitar aqui é aceitar, na pura concepção da palavra, que a vida lhe guie, lhe ajude a plantar e colher, os clichês frutos que sejas merecedor. 
Quando as palavras aqui por fim adormecerem, será porque toda e qualquer batalha parou.  Será porque até o mais forte guerreiro não sustenta o peso nos ombros por toda eternidade, e mais cedo ou mais tarde, dobram-se os joelhos. 
Eu conservo medos infinitos, forjados por uma conturbada existência, entre dúvidas e respostas exatas, e dúvidas e respostas lúdicas. Esses medos, alimentados por tudo aquilo que vivi em três décadas, são parrudos, gordos, obesos. Inertes ao tempo e bloqueando minha passagem, minha realização. Ou impedindo que eu veja o que quero, ou seria me privando de ver o que não?

O meio do fim do labirinto da dor nada mais é que um refluxo natural, uma reanalise racional dos gritos que se foram, e daqueles que ainda ecoam. Curiosamente estes ecos hoje são mais perceptíveis que ontem. Talvez haja mais como eu por aí, vagando por entre portas abertas e caminhos rabiscados à giz. Vocês não estão sozinhos.  
Ando desejando que no futuro, toda lucidez me seja desprovida, e que boas almas me conservem enquanto eu pavimento minha última trilha, dou meus últimos passos. Desejo talvez que não me lembre das falhas que cometi, dos amigos que perdi, das vezes que não sorri. Se é que saberei como desejar.  Mas deixemos pra lá o que ainda não está. São só devaneios, só devaneios. 
Falando nisso, é certo que complique cada vez mais a leitura desses meus gritos. Sim, eu preciso filtrar aqueles que não podem compreender, que não sentem como eu sempre senti. 
Fecho os olhos, abro os olhos.  É uma náusea minha amante, das madrugadas relutas, parceira que ninguém vê. Sinto que padeço calado, aqui sem estar aqui, sem ser notado. Nostálgico da época de palcos e holofotes. Tempo ilusionalmente bom.  
Fiz uma visita rápida, de passagem, daquelas surpresa. Precisava mediar e plantar mais uma semente neste caminho final...
...e aqui está o meio.