Feridas

Houve um tempo em que tudo isso fazia sentido. Em que a pureza e inocência que me enchiam ao explendor, não me clareava os olhos turvos ao deslumbre de palavras, de abraços, de risos, de um amor com cartas marcadas.

Do rasteiro altar daquela inexperiência, eu formei um mundo de desejos, fantasias, bons momentos, alegria, e união. Era tudo muito perfeito não fossem as arestas nunca aparadas. Mas eu não sabia que elas, pontiagudas, feriam.
Releva-se uma, releva-se duas, releva-se quatro, seis. Mas não todas. Eu não podia mais relevar.

Uma história percorrida sobre uma tênue linha separando a inconsequência endossada e a trilha dura e difícil da personalidade inabalada. Segui pela segunda, cambaleando as vezes, por outras saltando etapas, mas nunca invertendo o que tenho aqui no peito.
Não é fácil.

Houve um tempo em que eu temia deixar para trás o que supostamente amava, e isso me impediu de seguir, várias e várias vezes. Esse amor homeopático que não dura, não cura. E eu esperei que ele curasse.
É duro, é lascivo, é magoante. São raízes cravadas fortes dentro do peito. Como abster-se do vício, da necessidade, da carência, do conforto. É um longo e longo calvário até que as feridas se fechem. Se fecharem.

Eu colocarei pequenas pedras sobre cada mágoa. Elas ficarão ali, inertes, indeterminadas sobre quando sairão de cima, pois o peso delas é muito grande. Servirão de profilaxia, de terapia para sanar minha mente, e só depois meu corpo, e então quem sabe ele pare de sangrar. Eu não vou simplesmente ignorar tudo isso. Não fácil assim.

Eu escutei demais, e fiquei surdo. Surdo de todas essas frases sem peso, desses atos sem provação, de uma ilusão sombriamente falsa e irreal. Hoje eu não vou mais sentir nenhum peso sobre essas palavras, elas não surtem mais efeito.

Mais um ciclo está prestes a se fechar. Um longo ciclo. Meia vida, de um turbilhão de sentimentos, que me puseram de pé, e me levaram aos joelhos, mas me fortaleceram ao ponto de jamais desistir de tentar.
Sem olhar para trás, sem pensar para trás.

Pois aqueles que se importam estão sempre ao seu lado, não atrás.

Lembra-se?

É melancólico. E como toda forma melancólica remete a uma tristeza aguda. Daquele tipo que deixando-se levar te prende lá embaixo, no fundo do poço.
Onde existia alegria, que outrora parecia ser infinita, deu lugar a amargos momentos que desejamos que terminem rápido.

Infelizmente chegamos ao fim.

Enquanto se ouve lá fora reflexos de harmonia, amor, união, verdades, o que ouço é um denunciante silêncio, cúmplice de todas nossas falhas. Reféns uns dos outros.

Não há lágrimas, não há vontades de reatar, não há importância ou sentimento que à traga de volta. Não há questão. De ser, estar, existir, louvar.

Todo este jardim já foi muito mais que apenas estes galhos forrados de espinhos pontiagudos. Ele prosperava em vida e cor, em conjunto e junção de todas as mais belas flores e cores. Hoje só espinhos pontiagudos.

Talvez não haja um culpado só. Talvez todas as circunstâncias dos caminhos que cada um de nós vivemos, se perderam em algum momento da história, pra nunca mais se encontrar. Retas e curvas que se afastam, se afastam e se afastam. Todos somos culpados.

Quando abdiquei das minhas tentativas de manter tudo harmonioso, quando deixei que as rédias da historia fossem tomadas pelo destino e seguidas, ele mostrou a desigualdade da qual eramos cegos. Palavras que cravam no coração jamais param de pulsar.

Aqui jaz um dia de boas histórias, de representação verdadeira de amor, de alegria nos olhos e no peito. Dói, dói de verdade, mas ao mesmo tempo te ensina, te caleja, te amarga e protege de passar por tudo isso de novo.

Eu gostava sim, achava sim, vivia sim, achando que seria tão real pra eles quanto era pra mim.

Mas hoje em dia que o passado se trancou em baús sem travas, adormece no peito até entrar em um profundo e solitário coma.

Lá fora os sorrisos se mesclam, enquanto que aqui a serenata embala nossa tragédia.

Pena.

Finito

Faz um tempinho que não passo por aqui. Confesso que ando evitando, pensamentos vem e vão, mas eu tenho deixa-los pra trás antes que me sufoquem.
É um trabalho de mente bastante complexo, sofrido, doloroso. Por falar nela, perambula sem me abandonar.
Sempre presente entre dois lados distintos. Harmonioso e fluente, árido e divergente. Sei que hoje desisti de lutar por batalhas perdidas. Que aceitem o fardo da inconseqüência. Eu só lamento.
Tento apenas focar nas estrelas e esquecer os alardes nebulosos, sempre tentando me desfazer, me tragar de volta ao caos. Mas estou vencendo, estou dando meia volta ou volta inteira e ignorando antigos demônios.

A verdade é que meus gritos nunca cessam, apenas engulo seco o berro antes da explosão, e tento enxergar tudo de bom, só o bom como destino ou aprendizado.
As portas de agora lentamente rangem ao fechar, como um choro melancólico de pena, nostalgia, indignação, e lamentação. Esta última por não conseguir encaixar o que eu gostaria.

Vou comigo, vislumbrando entre as frestas raios de sol e sabor de orvalho, campos e campos, a simplicidade da vida escolhida entre varias vidas que passei.
Quero evitar essas visitas, este lugar me assusta, como uma casa cheia de espelhos, por todos os ângulos me rebate a voz que opõe, e a que impõe.
Vou atrás de pareceres, respostas de dentro de mim, sem medo da surpresa, boa ou ruim. Vou levar a coragem, que adormece mas não desaparece, me diferencia daqueles que dela órfãos são.

Eu abro, simulo, e se tudo me fizer olhar a diante, eu provavelmente aceito o desafio.

Só Pra Mim

Eu não queria que as coisas fossem assim. Que elas terminassem assim. Mas não escolhemos nosso destino, passamos por ele. Não gostaria de viver em uma família dissolvida, em um ambiente indiferente, pior muitas vezes que hostil, mas eu não tenho como evitar. Nõ gostaria que minha dedicação jamais tivesse sido reconhecida, e que todas as mudanças que fiz jamais tivessem sido vistas ou condecoradas, mas elas nao foram, e eu nem precisava disso. Nada, absolutamente nada, foi digno de um obrigado, ou de qualquer forma de reconhecer, foi tudo jogado no lixo. 
Hoje eu fico com minha tristeza só pra mim, relembrando fatos, historias, momentos, e questionando se tudo aquilo foi realmente válido, e este questionamento só surge justamente porque você não ouviu nada da boca de quem deveria dizer. Um silêncio pragmático e destruidor.
A vida é injusta. Bom, pra mim. E não me venham falar de coisas superficiais, não me falem de bens materiais, não me falem de nada disto. Eu, apenas eu, posso firmar o que busco e o que gostaria de recompensa. Só sei que até agora, quase na metade da vida, ela ainda não veio. Sim, a vida é injusta. A minha. Até agora, é.
Nunca quis e nem quero aplausos de ninguém. O que sempre quis, talvez ainda queira, é abrir os olhos de quem está próximo a mim para enxergar algo além do que a maioria vê. Não é fácil, não é simples, e requer muito de uma coisa só, confiança. E é difícil. 
A bagunça que permanece em um canto da minha cabeça é fruto do orgulho destruidor de pessoas que se aproximaram de mim sem me conhecer. E não são só desconhecidos. Quando digo isto, envolve parentes, amigos e companheiras. Muitas destas pessoas jamais acreditaram em algo que eu disse, ou entenderam realmente o ponto onde eu estava tentando chegar. Foi sempre alguém tentando mudar o que era impossível mudar. Isto maltrata.
Algumas pessoas são momentaneamente abrangidas por algo sobre mim, o que as faz navegar por entre esse redemoinho, mas tudo passa, e com o tempo, até as mais fortes sucumbem por não terem realmente força de sustentar a pressão, ou a carga de atitudes que isto reserva. 
Como eu continuo dizendo, eu não queria ter o sentimento de tempo perdido, eu fiz tantas coisas, eu fui tão longe, eu vi e vivi diferentes experiências e batalhas, flambadas à vitorias e derrotas. Mas será que sempre lutei ao lado de pessoas erradas? Eu não sei. 
É ruim apostar fichas em algo que vai se dissolver com o tempo, mas não somos capazes de prever os acontecimentos que estão por vir, não somos capazes de coordenar tudo para que caminhe sem erros. Eu sempre tento melhorar, mas dificilmente tudo é entendido. 
Agora eu aceito as mudanças, acredito demais em propósitos, busco o meu a cada segundo e faço tudo pra seguir adiante, por mais dolorido que possa ser, toda historia tem um capitulo final. Indiferente do seu tempo, da sua duração, do numero de capítulos. Elas terminam.  
EU me pego desabafando comigo mesmo, tentando conversar com quem nunca vai poder me abandonar ou virar as costas, eu. Isto não é insanidade, pelo contrario, é uma tentativa desesperada de alinhar desejo, razão, condição. É bem pesado.
Eu não sei quantas pessoas passam por isto no mundo, sei que não estou sozinho, sei que se eu gritar daqui, alguém sempre vai ouvir, e gritar da mesma forma, porque não sou tão diferente da maioria que um dia parou pra pensar. 
Palavras vem, parágrafos vão, e eu não sei bem como terminar isto aqui. Só queria dizer que não estou contente pela situação que vivo onde deveria ser meu porto seguro. Não estou contente com o tempo que me dediquei a certas pessoas pra ter sido jogado no lixo. Não gostaria que as coisas estivessem por um lado tão certas e por outro tão embaralhadas.
Mas esta é minha vida, o que dizer. Eu não altero o que sou, eu sigo meu rumo. Eu posso desejar mil coisas, mas não posso possuir tudo que desejo. Eu só queria que tudo ao redor fosse bem, e que os meus esforços fossem dignos. 
Quem deveria ler estas coisas jamais vai ler, talvez jamais enxergue, talvez jamais seja capaz de olhar além do próprio umbigo e entender que perdeu uma pessoa de valor. Mas os meus valores realmente jamais serão os mesmos dos de muita gente

Orgulho e Egoísmo

Eu queria ter orgulho. Tão grande e suficiente que me fizesse pensar que sou único, e inatingível. Um orgulho tão forte que me cegasse e me tirasse a razão. Que me deixasse escapar pessoas importantes na minha vida por não entender suas opiniões e que estavam ali por mim. Um orgulho tão forte que eu viveria o sonho de alguém, sozinho, por não aceitar que na vida não vivemos só por nós, e sim por quem escolhemos viver. Este mesmo me faria largar tudo, deixar tudo para trás, não importando o tempo que estivéssemos juntos ou todas historias quem criamos, e me esconder sozinho, sem coragem de admitir que o vazio existe. Um orgulho tão forte que se ofuscado até mesmo por quem me quer bem, me fizesse sepultar meus desejos e transformar minha vida num livro sem continuação. Eu queria ter um orgulho assim, que me deixasse tomar decisões só com a razão, e que não ferisse meu peito, me deixando à mercê por acreditar demais e compartilhar demais. Talvez eu nunca realmente seja capaz de cultivar em meu peito tamanho sentimento, que me faça olhar para frente e destruir o que estiver ao meu alcance, por meu orgulho. 

Eu queria ser egoista. Tão egoísta que não sofresse nem nas minhas perdas. Que não me faria diferença quem hoje está ao meu lado ou quem esteve, e que não importasse quem fosse, eu pensaria só em mim. Gostaria que fosse um desses, um egoísmo viciante, que me coloca fora de uma realidade  e dentro de um casulo de solidão e perdas, e mesmo assim eu acharia que estaria fazendo o certo. Eu queria ter egoísmo em meu peito, talvez eu prosperasse, e vivesse melhor sem lembrar que magoei para chegar onde quisesse, e que meu coração é tão duro e frio, que nenhum sentimento além deste existisse. Eu queria ser egoísta, mas infelizmente eu ainda não aprendi como fazer, creio que por puro egoísmo, ou a falta dele. Hoje estaria caminhando com meus próprios pés, eu e mais ninguém, neste inverno frio e silencioso, o mesmo que congela qualquer lágrima que escorra se um dia eu lembrar que este egoísmo me fez perder quem um dia amei. 

A distância...
...não separa sentimentos. Afasta corpos mas não a mente, pois o que mantemos dentro do peito viaja ao infinito. Imortal enquanto existir.

O que separa as pessoas é o orgulho, e egoísmo.

Incertezas

Tenho a certeza do incerto. Que ele faz parte de mim e que me atormenta, me tira o sono e me faz sofrer. Mas nem tudo são dores. Há o que celebrar.
Tenho a certeza do incerto, mas sei que ele me abre os olhos, transforma desejo em coragem, empurrão em passos largos, desafios.
Tenho gana por seguir meu caminho, desconhecido, turbulento, sofrido, e ao mesmo tempo desafiador, desbravante, revelador e satisfatório.

Não sei ao certo onde chegar, não tenho metas a não ser uma só: paz. Não sou tão destemido quanto gostaria mas estou muito aquém do que imaginei um dia poder ser. A minha única certeza é de que um dia terei historias pra contar. Boas ou ruins, triste ou alegres, mas na essência da verdade, a mais pura e vívida verdade.
De peito aberto e passos largos ao muitas vezes desconhecido. O futuro é sempre o próximo segundo, e mais um segredo se revela. Eu tenho isso dentro de mim, como uma incessante sede.
Se errar for necessário, errar é aprender. Vivo aprendendo. E não aceito o talvez como meta, ou como trava para minha vida. Caminho hoje para chegar onde não poderei chegar amanha. Mantendo a mente livre das amarras que tentam impor. Raro aqueles que não sucumbem a lavagem cerebral.

O tempo levou muitas coisas, uma corrente de vento suave e constante, degradando alicerces de amor ou ódio, dissolvendo, crucificando. Laços cada dia mais apertados, poucas pessoas, poucas de verdade.

Diga não ao talvez, diga sim ao sim, desprenda-se para aprender. Eu prefiro os sentimentos à flor da pele. E se morrer que morra de prazer. E se vencer que vença com prazer. E méritos.

Anseio por primaveras calmas e prósperas, cheias de vida e cor, calmas como reluzentes tardes ao por do sol. Olhando para trás como um passado fictício que maltratou minha face, mas não sepultou a alma. Enquanto eu tiver forças, quaisquer que sejam, eu caminho.

Hoje a espera é tortuosa, a harmonia em boa parte se foi, e impera o descaso. Ao meu redor pequenos pontos luminosos em um universo escuro e silencioso, de pessoas sem alma. Procuro enxergar estes pequenos pontos, meu foco.
Me entristece a realidade de falsas promessas, de falsas familias, de descaso. Hoje eu sou refém de algumas convicções e testemunha do fracasso das mesmas. Vivemos por nós, tudo em volta é secundário. Experiencia própria.
Não anseio pelo reconhecimento mais. Não aguardo por afagos, carinhos ou abraços. Feridas doem, cicatrizam e deixam marcas para nunca esquecermos. Mesmo fechadas elas guardam lembranças. E eu não abdico de lembrar. Agora sou incapaz de perdoar.

Um dia o hoje se transformará em ontem, e virará passado. Um dia posso relembrar e sorrir, ou me pegar em prantos. Um dia talvez me assole o arrependimento por ser marrudo, ou me encha de orgulho por ter enfrentado o revés. Sei que passarei por todos esses dias, pois aceitei cada um deles.

Quando tudo terminar, a certeza de que não faltarão historias.

Mas Não

Eu queria sentir raiva, mas não consigo. Queria sentir dor, mas não consigo. Queria pelo menos ser capaz de impulsionar uma revolução aqui dentro, como aliás sempre foi, mas hoje em dia é um estado inerte. Uma pseudo anestesia e complacência assustadora. Eu não me conformo. 

As forças se esvaíram e lutar se torna cada dia mais desgastante e frustrante. Portas que se fecham, rostos que se apagam, sentimentos que dissolvem. Um grande é imenso vazio se forma a cada dia, como um grande lago secando e sendo drenado lentamente, a cada manhã, a cada por do sol.
Acreditar. Palavra que sempre significou muito, mas que não tem a mesma força quando as tentativas desmoronam sucessivamente. Eu deveria saber que tudo tem um preço, e ele é bem alto, muito alto.
Já deixei claro, muito claro, o que se passa aqui dentro.

Gostaria de ter tido ajuda, mas nunca houve. Gostaria de ter sido percebido, mas nunca fui. Gostaria de ter sido ouvido, mas fui ignorado. Hoje eu abri mão daqueles que consciente ou até inconscientemente abriram mão de me enxergar, e não espero mais ajuda, não quero mais ajuda. Não espero mais nada.
Preciso encarar a realidade, preciso aceitar o caminho escrito pra mim, mesmo ele sendo terrível e doloroso. Não estou sendo complacente nem medroso, pois sempre tentei com todas as forças alterar a realidade, mas perdi, fui derrotado por algo muito mais forte, e por mais que eu tente inúmeras é incessantes vezes, é fadado ao erro. Pois não se altera o inalterável. 

Poderia dizer fracasso, mas não vejo mais assim. Poderia acreditar que onde alguns vêem derrota pode haver um sinal para mudar, para tomar atitudes radicais que irão alterar toda perspectiva e ambiente à sua volta. Este é o destino agindo, colocando você em seu devido lugar. O fracasso só existe baseado na expectativa depositada em algo feito sem sentido.
Tudo que me aconteceu ano após ano, me fez crer nisso. Por toda minha vida é por todas as passagens que tive, tudo que vi e vivi, me fez traçar um paralelo com as origens de onde vim, e assim ter convicção de que as coisas acontecem realmente por predestinação. Boas ou más. 
Estou prestes a dar mais um salto de fé. Dentre inúmeros que já dei, arriscando tudo, ganhando ou perdendo tudo, mas com a certeza de ter tentado, mais uma vez, alinhar mente, corpo, alma e coração. Não é fácil, nunca foi. Não é certo, nunca será. Uma busca por enquanto constante por paz, nada além de paz.

Hoje escrevo sem tantas metáforas, sem tantas poesias, sem florear. Algo mais reflexivo do que fantasioso, talvez um pouco espelho da minha realidade atual, sem fantasias. Tenho consciência de tudo que faço, e incerteza em tudo que faço, pois ainda pairam as dúvidas e medos, mas porque temer?
Porque temer se novamente preciso me atirar seguindo o coração e a intuição? Devo apenas ser forte pra sobreviver, ser inteligente para saber identificar meus inimigos e obstáculos, e transpor. Ter saúde, para resistir às chagas que me atingirem, e olhar o horizonte. 
E ao meu lado, de preferência, e se possível, alguém que enxergue em todas as palavras acima um pouco de si, que mescle a mesma realidade e não tema o que está por vir, pois nenhuma tempestade é eterna, nenhuma dor dói pra sempre.

Nesta dissertação não há beleza, nem tristeza. Não há esperança ou derrota. Só mais um texto. Mais uma gota de sangue que escorre sem dor, sem fim. 

Um dia há de estancar. 

Melodias

Seria eu desperto de um sonho, ou agora estou sonhando? Anos atrás, quando reluzia a mais brilhante das auras, talvez estivesse ofuscada a visão de uma realidade sombria. Uma ilusão temperada à falsidades tão sinceras que se mesclavam demais. Não distingui.

Hoje quase tudo é fosco, escuro, sem rumo. Onde estico os braços e tensiono os dedos para sentir um leve toque, e aprumar o caminho de vez, uma vez por todas.
É bastante melancólico, como violinos em um cortejo fúnebre, banhando a tristeza com melodia, sem saber que não restam esperanças, só acordes de dor.
Separo o que me faz bem em um espaço protegido, tentando livrar de todo o mal, de não ser contaminado por meus venenos, por minhas chagas. Instinto de preservação, de sobrevivência da esperança em meio a uma desordem caótica. Um ponto de fuga.

É um vazio por trás dos olhos, não da forças de respirar, mas mesmo largando a mão ele se mantém, pulsante, como se querendo te manter vivo para mais e mais provações. Te mostrar que o fim não é agora, que outros caminhos serão percorridos.
Mas é uma lição de vida ou uma repreensão? Um longo e longo inverno. Congelante e quieto, sem tempestades ou ruídos, apenas uma sensação de isolamento, de inercia. Sem ninguém para conversar.
Então eu debato comigo mesmo, tentando concertar o que não esta quebrado, achar uma diretriz perdida em meio a tantos poréns. Algo esta fora do lugar, e deve ser reposto ou expulso.
Hábitos do passado que respingam no presente, e isto esta manchando toda realidade.

Um acerto, dois erros. Ou talvez não acerto de verdade. Onde estaria a minha inteligência? Estou sendo traído por mim mesmo. Eu, meu Judas.
As insônias acabam com os dias. Consomem sua alma e devolvem o bagaço, trocando noite por dia, sem forças pra seguir. E não há nada aqui além de mim. Todos se foram, pelo menos aqui dentro.

Se eu desistir, não foi por falta de insistir. Não houve sequer um dia sem lutas, sem angustia derramada por não obter as conexões que sempre questionei. Viver melhor e não mais. Viver em paz, por dentro.

Eu não estou respirando. Fato.

Vertente

É hora de mudar. De novo. Deixar os medos de lado e seguir em busca de escrever mais um capítulo. Sem se preocupar demais, sem pensar demais, sem fingir pra si mesmo. Velhos hábitos atrapalham, velhas pessoas te prendem, velhos caminhos já estão gastos e se perderam no tempo, como trilhas em meio a uma densa poeira.
É hora de perceber que a vida é tão curta, e imprevisível para aqueles que buscam viver, que não há tempo de esperar, não há sonhos para apenas se sonhar, nem vontades que ficarão sempre no quase. Existe algo além, e sem o primeiro passo, você nunca se aproximará.
Deixe que o destino se encarregue de por ao seu lado quem deve estar ao seu lado, e que de onde menos se espera, acreditando o suficiente, algo bom pode vir. Aceite isso e não vai mais precisar de todas as respostas certas. As vezes errar te faz aprender muito mais, e o menos certamente se torna mais.

Hora de aprender que algumas pessoas não deixarão de ser parte da sua vida, mas podem deixar de ser tão importantes quanto eram. E perceber que sua jornada caminha independente do apoio ou união à essas pessoas. Você vive você.  E nessas horas, quando as verdades te maltratam, te mostram que é preciso deixar para trás, é o momento onde precisamos refletir. Pensar e corrigir os pontos tortos dentro de nossa própria mente. E confiar.

Nunca vivi o mundo debruçado em uma janela de "um dia talvez", sabendo que esse dia pode nunca chegar se não houverem portas abertas, caminhos a desbravar, desafios a encarar. E esse turbilhão de coisas só acontecem com aquelas pessoas que desafiam as regras, desviam as rotas, modificam estruturas e pensamentos.
Não devo, nem posso, exigir que pensem como eu, quem dirá que vivam como eu. Mas posso mostrar pra alguns que existe sim algo lá fora muito maior e que só exige coragem e fé, nada mais. Todo o resto é secundário, e passageiro.
Não sou poeta, não sou rico, não sou bem sucedido aos olhos da maioria que vive dentro dos moldes. Não tenho posses, não fiz fortunas. Sequer me tornei um adulto, se ser adulto é ser isso. 
Eu cresci e envelheço pois o tempo é igual para todos, mas como utilizamos ele é que faz a diferença. 

É hora de mudar. De novo. Trazendo toda a bagagem que a vida lhe deu, mas carregando em seus ombros apenas o essencial, o que faz a diferença para quem você deve ser importante.
E essa pessoa vai saber reconhecer, vai te dar coisas boas e te fazer bem. Vai sentir sua sinceridade, pois a verdade não faz força pra ser verdadeira, ela acontece. E você vai surpreender por ser você, e nada além disso.

E tudo isto te trará coragem de dar os passos necessários para frente, seguindo seu horizonte e sua linha, sua trajetória, pois só ao lado de quem gosta de você como você é, é possível ficar em paz. E vencer, da maneira que vencer signifique para você. Lembre-se apenas que existe um mundo lá fora.
Hoje abdico de perdoar, de relevar, de lutar por aqueles que não enxergam meu valor. Hoje eu absorvo as perdas e ausências, transformando cada uma em lição. E as levarei para sempre. 
Aos que não são capazes de me ter por perto, aos que não são merecedores da minha essência, eu deixo meu adeus, e sepulto meus sentimentos, transformando em lembranças, do que um dia foi. Muito obrigado pelo aprendizado.

Vou caminhar.


Voando...

Daqui eu vejo muitas pessoas. Estou um pouco assustado, pois não esperava alguns rostos, nem tão pouco algumas reações. Eu deveria estar feliz, pois lembram-se de mim, mas peraí, sequer me viam há anos. Mas que conveniente. Por essa não esperava.
Vou continuar...
Vejo muitos amores, passados, sofridos, doces de relembrar e amargos de engolir, e estão todos eles aqui. Pena eu não poder mais dizer algumas verdades, fica para a próxima. 
É engraçado ver como as diferenças se foram, e a perda une quem se odeia, pelo menos por alguns instantes - de falsidade?

Alí está meu avô, eu lhe disse, eu sabia, você é muito mais forte, e muito corajoso de encarar mais esta realidade, sozinho. Não me recordo se esqueci de dizer algo que precisava, mas sinto um aperto no peito como se algo me faltasse. Nunca vou aliviá-lo. Onde está minha avó?
Mais rostos, quantos rostos. Esses nem me lembrava mais. Décadas sem um telefonema ou contato. Muito parte da minha culpa também, todos nos afastamos. Lembro de nossa infância, e só. Estas pessoas não me conheciam mais.
E se eu parar por um momento de questionar tudo que vejo e apenas sentir? Não há som, luz, sangue ou dor. Deixe-se levar, aceite o inevitável, e observe pela última vez. E eu nunca acreditei ser capaz. Doce ilusão, esta tudo tão claro.
Meu amigos. Aqui existem tantas surpresas que eu já desisti de entender. Onde você andou? E porque eu vejo tantos discursos? Nunca fui ouvido, fui escutado de longe apenas. Nunca fui lido. O que são estas folhas em suas mãos e está imagem em suas camisetas? Eu achava que não poderia sentir mais a raiva, mas não se iludam, ela não nos deixa. Vou desistir de entender meus amigos aqui, eu quero paz. Não continuem a fingir, por favor. Aqui quem deixou de falar algo foram vocês.
Daqui eu vejo todos. Engraçado, perdi o temor de alturas, me parece assustadoramente elevado onde estou. Não, não é o céu, não existe céu, ou inferno. Mas tudo é muito alto.
Impressionante como sua existência é fácil de resumir. Em um ou dois salões. Em um pequeno comboio de carros. Aliás, tudo isso foge ao que pedi. "Obrigado" minha tia, por não levar a sério quando eu lhe disse o que queria, "nada de cerimônias!".
Vejo o lado bom, olha alí, meu pai e minha mãe de mãos dadas. Eu jamais vi isso em toda minha vida. Confesso que me parece tão surreal que não sinto como se gostasse. Causa uma estranheza absurda. Os dois juntos é hipotético e boato.
Eu sempre pensei que tudo isso aconteceria. Desde sempre. Só não sabia que seria possível. Pelo menos uma coisa eu tinha total razão.
Foi difícil, foi doloroso, foi longo até demais. Eu estava tão cansado de tentar achar as respostas. Não haviam respostas. Deveria ter entendido.
Sabiam que se pode chorar daqui? Pois acredite. Eu enxugo as lágrimas ao ver estas que foram as últimas pessoas que ainda acreditavam em mim, que ainda me tinham e sonhavam em ter por mais tempo. Como ficaram sabendo? É, as noticias correm. 
Ver vocês que estavam dia a dia comigo, me deixou mais aliviado. Viram? Eu disse que estava cansado... O "não fala assim, calma", não adiantou muito, mas vocês sabiam que eu era teimoso. Ergam-se, as únicas pessoas que realmente são dignas dessas lágrimas.

Finalmente posso respirar. É tão simples agora. Tão natural. Minha cabeça não me escraviza, meus olhos não estão cansados. E ouço minhas canções preferidas ao fundo. Uma desejável combinação de fatores. Pelo menos agora eles fazem todo sentido.
Para onde vou? Se vou. Para trás, meu, restaram mais de 200 confissões ignoradas. Mais de 200 lembranças de tudo que eu lutava contra e a favor. Tenho quase certeza de que agora elas irão se tornar obras-primas. Façam bom proveito.
Pouco importará na verdade...
...um beijo.

Agridoce

O sabor da minha vida é agridoce. Como lamber uma navalha e sentir um ardor e dor. Gosto de sangue, doce e quente, doente. Não existo perante aos olhos de ninguém além daqueles que não deveriam me ver. Um sofrido looping de rejeição e paixão. Um lago congelado, árvores tentando renascer. Um precipício tão alto que duvido que exista um fundo, um fim. 
Eu rezo. As vezes me encontro pedindo por clemência. Me enlouqueça, eu digo, me tire a sanidade e me faça não poder entender porque as flores murcham mesmo em tempos de primavera. Eu enterro e sepulto rios e rios de brilho.

Meu coração é um livro aberto em braile. Não me toque se não poder entender nada que esta ali. Não posso ser odiado para sempre, e amado, talvez quando eu amar. Talvez um pouco vergonhoso mas não falso. Os capítulos que se fecham se tornam história.
Hoje olho meu reflexo no espelho atrás de algo que me tire o foco e me de um sentido, tudo é tão frio e meu rosto sucumbe ao tempo. Nada é mais e tudo é menos, eu vou tentando encaixar algumas coisas e espero que essas peças se encaixem. 
Não estou acuado, não estou derrotado, não irei sucumbir. Mas não há vitórias porque eu não aceito vencer por nada. Confuso creio eu, mas de que isso importa? Eu sou posto à prova todo santo dia, e dias que não são santos também.

Lá fora a vida, rebate e renasce. São barulhos de mentes vazias, são o despertar de quem não acordou. Não quero pra mim esse tipo de fim, por favor não me faça cair em tentação, e me livre do mal. O mal que habita por onde piso e me cerca sem ninguém ver.
Eu dependo de dependências. Me fortaleço em busca de uma nova rota, um novo caminho, sem pegadas, sem desvios, e lá vou eu vivendo em metáforas, e lá vou eu vivendo em teoremas e teorias. Mas que porra é essa se não um sonhar? Me deixem sonhar!

Nada que eu conheço é tão arriscado que apenas ser o que sou. Tenho um profundo respeito e medo de mim. Sim, eu, eu e mais eu, afinal aqui reino em silêncio. Ou talvez nem tanto assim. Mas entenda, nada ou ninguém eu temo tanto quanto à mim.
Eu deveria manter esta porta aberta. Agora que acordei assustado, e se eu não conseguir mais respirar? Se eu trancar não serei salvo, ou serei um pouco mais esquecido, dentro do meu próprio casulo. Três, quatro passos, lá estou atirado debruçado no corredor frio e quieto. Sei que estão ali, mas é como se não estivessem. Tudo isso é tão solitário, tudo isso é tão triste.
Vivo três, quatro vidas, em uma única alma. Esta tão saturada e cansada. Sim, já sei que isso é prejudicial, não preciso de conselhos, nem de fórmulas ou receitas, e por enquanto é meu pesadelo, até eu conseguir acordar. Me deixa.
Vou contar um segredo...
...amanhã, será diferente. Eu peguei um pequeno espaço e plantei uma semente. Ninguém viu, ninguém notou, ninguém sequer sabe. Mas eu sei. E estou ali, naquele espaço que ninguém olha, cultivando e cuidando. Ela está tão bonita. Germinou e aponta seus primeiros ramos. Ninguém sabe. Que pena. Eu sei. A flor mais linda que já vi.
O sabor da minha vida é agridoce. Agrada e desagrada. Complementa ou separa. Eu gosto de agridoce, tem um pouco de tudo.

Sorrir?

E mais uma vez eu desperto no meio da madrugada. Ja perdi a conta de quantas vezes me ocorreu. Cabeça procurando razão, peito impulsionado pela emoção. E mais uma noite em claro, gritando por dentro enquanto o silêncio lá fora impera. Já perdi a conta de quantas vezes eu me senti perdido. Esta não é a primeira, provavelmente não será a última, mas é incrível como a intensidade aumenta e aumenta.
As vezes me lembra uma orquestra, silenciosa e calma, com seus acordes e melodias sutis que quase o zunir de uma brisa natural pode ofuscar seu som de tão diminuto que se encontra e de repente, explode em um feroz rugir de trombones e batidas, se fazendo ouvir a quilômetros de distância.
As lembranças tiram qualquer sossêgo. É uma mistura intensa e intermitente de inconformismo com dúvida, de indignação com reação, de revolta com dor, de esperança com desilusão. E não para, infelizmente não para. 
Enquanto isso me agarro a qualquer coisa que me faça não lembrar, porque esquecer ainda é impossível, mesmo sendo provável, e talvez a dor de sepultar tudo que se foi vivido seja mais forte até que a morte, pois ela te pega de surpresa, enquanto o caminho fúnebre de um velório é a cerimônia atestada do fim. Dali pra frente, nada mais.

Não está sendo fácil, como eu já imaginava. Não está sendo simples. Como não foi simples eu abdicar da minha existência para ser existencial a alguém. E de repente, você não existe mais. 
Talvez eu não estivesse preparado para acordar desse sonho, ou talvez eu vivia tal ato mais intensamente do que era na verdade. Como uma paixão que não cessa, amorna mas não esfria. Ou meus olhos me traíam todo o tempo. Deve ser isso. 
Eu registro hoje, aqui, neste meu espaço, um tempo na minha vida tão caótico e incompreensível que o máximo que posso é deixar registrado, na esperança de que um dia, ao reler cada linha, eu perceba o quão difícil era viver, e nesse futuro breve ou distante, eu consiga entender e ligar todos os pontos que hoje formam um labirinto, e não um caminho.

É muito difícil renascer por dentro. Não é simples tal como comer, rezar e amar, quando não se tem apetite, nem fé, ou quiçá uma paixão. A vida não termina sempre em finais felizes. E talvez, muito pelo contrário. Minhas convicções me acompanham para sempre, e é tão triste perceber que o que você tinha como valor e honra, pode muitas vezes te trair, te esquecer, te trocar. E toda aquela certeza de que era realmente sagrado a razão pela qual você se doava, vai por agua abaixo.
Admito, não tardiamente, que nem tudo são espinhos ou tombos. Que ao mesmo tempo que alguns alicerces se romperam e parte de mim desmorona em queda livre, um lado dessa imensa estrutura se mantem forte, respirando e sonhando, com a presença de pessoas especiais que transformam pequenas gotas em uma enxurrada de esperança. Obrigado. Por mais confuso que tudo isso possa ser, dentro desse quebra-cabeças que é minha vida.
Posso admitir que acertei, em muitos pontos, em muitas passagens, em diversas entregas. E já ganhei muito, aprendi muito e conquistei muito. Me moldaram até hoje para ser o que sou, da mesma forma que esses "erros" me ensinam a cada passagem.
Hoje eu apanho mais que bato, choro mais que me pego sorrindo, e sinto uma solidão na alma muito profunda. 
Espero que tudo isso passe, que as alegrias superem as tristezas, por mais clichê que isso é. 
Que as pessoas que ainda enxergam o meu valor, da maneira que for, me guiem a transpor cada abismo, pois não é desmerecedor ter apoio, e que assim eu cicatrize algumas das minhas feridas.

Espero que a angústia dê lugar a ansiedade, da vitória e do sentido. Tudo por uma paz interior, que só quem busca viver de verdade pode entender.
Hoje eu reluto para não aceitar um fim, que talvez possa ser um começo. Ou um recomeço?

Veneno

É angustiante. E eu espero que ninguém sinta tamanha angústia. Pois a vida, quando se perde o sentido, é tão ou mais vazia que a morte. Morte esta que pelo menos te traz o alivio do fim, do descanso e silencio eternos, algo que a vida te priva. 
Te faz sentir a garganta seca e procurar fechar os olhos para fugir de tudo, mas não há fuga, não há saída enquanto seu peito bate
Maldita prisão sem muros, maldita vida que lhe tira tudo e não se justifica. De que adianta anos ao meu rosto, marcado e envelhecido de afagos cruéis, e não de convicções e liberdade de realmente viver. 
Eu não suporto mais. Laços que desatam e sentidos à deriva. Um oceano em fúria de duvidas, sem onde fixar o norte, rumo ao desconhecido, ao redemoinho infinito. 
Porque me tiras a paz? A frieza que estampa o silencio é macabra, um filme de terror real. Mesmo que eu vomite todas as dores que me rasgam a alma nestes dias, continuo atado, é cravado no âmago. 
Me faltam palavras, pois elas não expressam tão límpidas como os olhos, que transbordam de tempos em tempos, e fecham a procura de um avesso que me leve para outro lugar, ou de volta a um passo atrás, onde não havia dor.
Arrancado pela raiz, não se morre em um, ou dois dias. A força mantém tudo correndo entre as veias, enquanto existir como respirar, folhas não secam e murcham. 
Eu não queria que nada disso estivesse acontecendo. Querer é utopia dentro de mim, muitas e muitas vezes refém da minha própria ingenuidade. De vislumbrar a alma enquanto só me enxergam pele. Deveria ser menos, mas não sei. Eu simplesmente acredito.
E são nesses dias longos e sombrios, nas madrugadas em claro enquanto lá fora se cala, que eu travo minha guerra. Sozinho, sem ter pra quem gritar. Pois nossa dor é invisível aos olhos, principalmente de quem não te enxerga, nem hoje, nem nunca.
Quantos dias a mais? Quantas noites a mais? O coração drena, mas drena tão lentamente como escoar um filete de agua ao mar, é quase infinito aqui dentro. Talvez se eu abrisse o peito, talvez se eu arrancasse de mim, mas, não me ensinaram a matar friamente. 
Eu procuro a saída. Juro. Eu procuro respostas. Juro. Arrastando-se em um solo árido e seco. Quem me resgataria de dentro hoje? Maldição!
Se eu dormisse, um sono que me levasse desse pesadelo, e despertasse dessa tempestade como se nada houvesse acontecido, "foi só um sonho ruim", "foi só um sonho ruim". Mas não ha ninguém pra me chacoalhar como tantas vezes eu fiz tirando você desse inferno.
Não, eu ainda não escrevo sobre você, pois as palavras quando chegam aqui são de algo já sacramentado, algo que já é real, e não sei o porque mas ainda não chegou a hora.
Isto agora é só um registro do cataclisma que você proporciona dentro de mim com esta distância muda, este silêncio cruel.
Eu, por mais que deseje não, ainda vivo pra sentir sozinho cada espasmo latejante dessa dor. É angustiante. E espero que ninguém sinta tamanha angústia.

Um dilúvio está por vir? Eu não sou tão forte como gostaria de ser.
 

Teatro Vazio

Tudo isso se apresenta como uma brincadeira sem graça. Eu deveria gargalhar da minha própria tragédia. Fazer piadas com minha vida. Rir para não chorar. 
Eu não quero estar ancorado a nada que me afunde, mas não gostaria de estar a deriva. 
E então o peso das escolhas prensam meu peito, sufocam, incomodam. A falta de respostas traz o clichê da dúvida, e quando há dúvida, não ha propósito verdadeiro.

Não participo, não somo, não influencio, não mudo. O que resta daquele ser, esta se esvaindo e dissolvendo, ainda assim eu reluto. Luto. Preto.
Quantas noites em claro, quantos dias a mais, palavras que assombram, esperanças desesperadas, nem aqui mais me tranquiliza. Aqui, é sim, dentro. 
Sou subjulgado por incompreensão. Sou atacado por defesa. Sou esmagado pelo peso de uma realidade assombrosa que eu reluto em aceitar e que me leva cada dia mais a um beco sem saída. Eu queria achar um ponto reluzente apenas. Um só. Uma fresta.

Não estou sozinho neste deserto, mas caminho a passos largos para uma morte lenta, angustiante e sem dor, muda, calada, dissolvente. Uma flor que murcha com o tempo, sem ser regada, sem forças para sobreviver dentro de um vazo seco e árido. Eu metaforicamente caminho a extinção. A extinção de uma alma é mais dolorosa que de uma vida.

Tudo isso se apresenta como uma brincadeira sem graça. Eu deveria rir das peripécias que a vida me apronta, mas é rir sem platéia. No meu teatro vazio. 
Meus gritos ecoam, meus passos ecoam. Meu choro rebate aos muros e rebate ao rosto, salgado e transparente. 
Um coração que bate atado a um corpo que padece refém de uma mente conturbada, teimosa, briguenta. São dois lados de uma moeda cara ou cara. De nada adianta eu virar as costas para tudo que tenho que encarar se virar significa encarar mais ainda.

Hoje caminho dentro deste teatro vazio apontando com os dedos o lugar marcado de cada um que ali um dia esteve. Lembro seus rostos, aplausos, olhos voltados à mim com atenção redobrada. Talvez vissem talento e futuro onde sequer eu via, mas aos poucos os mais lindos atos perdem força com a repetição. 
Hoje seus lugares não são preenchidos, e um rascunho ficou.

Eu viveria melhor se conseguisse viver, mas a vida pra mim não é tão simples como que pra você. Mais direto que isso impossível, pois você ainda teima em tentar me encaixar dentro de um universo ao qual não pertenço. Uma polaridade repulsiva. Eu nunca vou me encaixar e isto me da medo. Muito medo. 
Ninguém se cura sozinho. Eu sou ninguém. Não tenho forças pra destravar minhas asas, não tenho forças pra repintar meu mundo. Estou refém do acaso, do caso, do improvável provável.

Onde estão vocês? Não mais aqui.
Eu só quero fechar as portas já que ninguém mais vai entrar. Apagar as últimas luzes, desmontar os cenários e encerrar minha peça, de uma vez por todas.

Sonho meu.

Quebrada

Desta vez, por mais que eu não queira, eu te deixo ir. Seus cabelos negros, sua boca vermelha, sua voz de menina, seu estilo criado por mim. Tudo traz de volta, arrepia a pele, seca a boca, um magnetismo perigoso e incoerente, estridente, eminente, doente. 
Pelas mãos te trouxe até o lugar mais alto, e soltei para sentir o frio dentro do seu estômago toda vez que embarcava de volta, retorno a sua realidade, longe, bem longe, mas tão perto.
Cativo a esperança, um vício, uma doença, um jogo sem vitórias no final. Um começo que conheço, um fim que tenho em mim, e repito, dito, aflito. Angustiado por querer, certo de poder e ciente de padecer, eu começo e termino, já sabendo a dor que vem.

Menina loba, mulher em formação, passo rápido e percebido, eu jamais me escondo, me aluno, sumo ou recuo. Eu luto até o estalo estalar.  Não culpo nada, ninguém, nem eu, nem você. Não houve culpados, não há culpados. Há história que se borra, mas não se apaga, que cicatriza mas ainda dói, que uma vez ali dali não são mais.
Me peguei sorrateiro, mas sempre fui, talvez cansado um pouco de lidar com vc, com uma inevitável você, que só é assim porque a vida lapida com o tempo, por mais que um diamante bruto já esteja formado, seu brilho e transparência só vem depois.
Transparência essa que não me falta, passando até demais. Tão sincero que não me permito e nem me permiti mentir, mas sim omitir, algo que poupa a discórdia e o caos em nossas mentes, este mesmo caos que vive agora. 

Um não basta. Tão potente e forte como um golpe. Tão fundo e frio como uma cova. Se eu ou você entrarmos ali, não sairemos. Mas eu ainda não cavei tão fundo. 
Dentro de mim há vários eus que teimam em aparecer. E quando eu aviso que não tente me entender, eu faço um esforço para responder por mim. E separo tudo, como sempre digo, muito bem. 
Um último suspiro com data marcada, a brasa das chamas se foram, e o fogo se extinguiu. Ou adormeceu. É confuso e inexplicável, são inconformáveis razões e certas decisões, mas o que te leva embora te traz de volta. Uma dependência sem profilaxia correta, só se dopar.

Desta vez eu me olho no espelho à procura de saídas, elas não vem, eu reluto em aceitar e tento montar aqui dentro os estilhaços e reconstruir seu rosto, borrado e desfigurado, um rascunho que me recorde de alguma coisa. 

Um não seu é tão sufocante quanto um estrangulamento, talvez pior, mas você ainda não sabe estrangular, deixa vivo agonizando, não sabe matar de vez...
...pra que então dizer adeus se eu ainda vivo?

Invisível

Eu continuo aqui. No meu mundo que desaba todo dia, enquanto uns acham que é uma fase. Extender os braços a quem pode alcança-los é fácil. E onde estão as pontas dos seus dedos sequer? É um caminho sozinho, sempre sozinho. Miragens e paisagens ao redor, de que nada adiantam ou trazem mudanças. 
Eu vivi e esperei, por algo que talvez não venha. Nem hoje, nem amanha. Não me encha com suas frases feitas, suas promessas de vida, suas palavras doces. Eu navego na essência da desilusão. Aqui o inferno é real. 
Mas quem se importa afinal? Ninguém.

Crises de insônia, crises de angústia, crises de perdição. Não sinto na pele minha dor, sinto na alma. Aqui dentro infelizmente é tudo invisível. Mas também, quem hoje esta preocupado em olhar profundamente? Eu preencho parágrafos com perguntas. Elas são muitas.
Olho para os lados, estão aqui, estão ali, e não estão em nenhum lugar. Se eu gritar hoje, quem ouve? Se eu sangrar hoje, quem estanca? Se eu morrer hoje, todos choram. Porque lágrimas suprem falta, mas não suprem ausências. Antes de escorrerem pelos seus rostos, deveriam ter sido combatidas com amor.

Eu padeço. Desintegro. Dia após dia. Existe a saúde que mantém o copo vivo. Um corpo com uma alma em coma, um profundo coma. 
Quantas portas entreabertas, quantas trancas e cadeados. Eu sinto um aperto tão grande no peito. Tão forte. E ele não se interrompe. Ninguém sente mesmo.

Talvez o tempo abre todas as portas hoje trancadas. Talvez o tempo apenas me cale ainda mais. Talvez o tempo pelo menos, em um gentil momento, me dê as respostas a tudo que preciso, boas ou ruins, mas irão me satisfazer.  

Enquanto todos veem invertido, um negativo de toda a verdade, eu não tenho como lutar. Enquanto todos derem com os ombros, eu estarei de joelhos, pois sucumbi. 
Não é drama, não é carência, não é derrota. É carma e verdade.  É batalha diária, não essa que você trava diante dos olhos, é outra, é diferente, é agonizante. 

Eu preciso enxergar um ponto apenas, um único ponto. Mas ele precisa ser fixado ali, por qualquer um, por mim, porque quem seja, mas ele precisa reluzir e brilhar para que eu enxergue e vá, direto e destemido. 

Hoje eu não tenho nada, nem ninguém. E quando digo isso não é da forma que você entende. Quando eu digo isso eu falo comigo mesmo e externo. Eu não quero ser socorrido quando estiver na sarjeta ou em uma maca, eu não quero ser afagado quando estiver indefeso, eu não quero.  Eu quero que qualquer um ou alguém ou algo reencontre dentro de mim o prumo, o norte, o sentido. Eu sou incapaz. 

Um gigante hoje acorrentado. E nada me liberta por enquanto.

Emaranhado

Caminho e paro em meio esta multidão de faces que me cercam. Tão cheio de "ninguens".

Olhos cruzados, mãos que se tocam e sentimentos lineares.  Eu ando num espaço aqui dentro vazio, tão cheio de vazio. Palavra redundante em minha vida. Um paradoxo absurdo e invisível aos outros.

Impiedosa verdade, aqui não existe se eu abrir os olhos. Ela adormece. Pessoas se esvaem sem controle, eu gostaria de saber o que isto significa. Para onde vão, se irão voltar. Pra que retornariam.
Ontem estávamos de mãos dadas, mas eu sei o poder do tempo e os estragos que ele é capaz de fazer.

E lhe é retirado do peito, abrindo espaço pra reposição e repetição dos erros. Nos nunca paramos de errar. Trocamos os personagens da mesma tragédia de tempos em tempos.

Vocês tem noção de quantas vezes me fizeram chorar? De quantas vezes me fizeram morrer? É um instinto que me domina essa dor. Uma perseguição calculada meticulosamente. Não há santos. Não há vítimas. Há apenas a realidade.

Se eu me dedicar ao vazio, poderia esquecer sem sequelas, deixando o espaço oco ser preenchido por futilidades me dopando da realidade. Mas não seria eu.

Engraçado, eu ja disse e pergunto, porque vocês participam disso? Isto não fez sentido pra ninguém, só para mim. Sumam daqui!

Como existem sonhos que não podemos realizar, existem vidas e caminhos que não podemos escolher. E todas as tentativas são apenas justificativas. Eu não preciso de soluções pois não tenho problemas.

Sigo assim, peneirando a tempestade que assola minha jornada, sepultando pessoas vivas, trocando de estradas, me atirando em precipícios. Eu sou um dos poucos que restaram. Vivos mas não intactos. Derrotado mas não rendido. Exausto sim, morto não.

Enquanto eu olho dentro de vocês, sobram insistências em tentar enxergar a superfície de algo muito mais profundo.

Esta bem. Eu cansei por hoje. Estou apenas matando o tempo.

Selado

Eu não consigo ver uma forma de escapar. Aos seus olhos tudo parece simples. Para aqueles que caminham na superfície, nada além de opção. Eu não sou uma opção, eu sou uma sequela. Uma ferida que não fecha porque os cortes vem e vão.

Eu não decido sangrar, eu apenas não cicatrizo.

E não espero que exista compreensão, não há compreensão. É um fosso de incertezas e abandono, um abandono mental que é infinitamente maior que o físico, e hoje em dia eu vivo a mescla dos dois, e é torturante.

Me revolta a cegueira, a incapacidade generalizada, mas o que eu posso fazer? Eu não consigo ser aquilo que não consigo ser.
Um sinal de que nunca fingi, e de que raros são aqueles que lutam uma vida inteira para serem apenas verdadeiros dentro de si. Não me orgulho disso por completo, mas também não posso me condenar e fim.

Eu desabafo, abafo, desafogo, sufoco. Mas tudo rebate, retorna, é incerto e incompreendido. Um julgamento por quem não entende é simplesmente uma retaliação.

Eu não tenho escolha, tenho busca. Uma procura até agora infinita pela razão de cada ponto, de quando eles irão se conectar e me mostrar a imagem que for, boa ou má, cruel ou generosa, mas que enfim me traga uma clarevidência do propósito de todos estes anos que se passaram.

Anos estes ricos em histórias, em conquistas e derrotas, em saltos de fé e portas na cara, capítulos e mais capítulos na minha breve passagem.

Talvez eu me despeça sem um ponto final. Sem realmente ter entendido a razão, e se eu não o fiz, impossível que façam.
Eu deixo não um legado, não sou ninguém aos holofotes amarelados, não são digno de aplausos ou inspiração incoerente, deixo um registro de passagem, um atestado de quão conturbante é estar aqui querendo realmente estar. Eu nunca aceitei ser transparente. Quero me ver e ser visto por aqueles que pouco enxergam.

A cada amigo que se virou de costas e deu com os ombros, cada pessoa que não foi capaz de olhar para algo maior em mim, cada ente da familia que espera por uma mudança, por um fim dessa chamada erroneamente rebeldia, eu aviso que não há volta.

E que não batam palmas quando tudo terminar. Por favor.

Rastro

Fecho os olhos, abro os olhos. Não quero acordar. Desperto em meu último dia de uma vida que não existiu.

Eu queria dormir, eu queria parar o pulsar, assim, num piscar de olhos. Andar por aí sem caminhar com o tempo, um esforço desnecessário, um dia a menos de incertezas.

Eu plantei, cultivei, cuidei, recebi e  vivi. Dói saber que morri.

Mas quem nunca se perdeu na vida? Talvez aqueles que nunca à procuraram. Linhas retas, traçado sem desvios, um só horizonte.

Estou chegando ao ponto onde vou testar os cadeados que me sustentam aqui. Que se quebrem se sucumbirem ao meu desafio. Um dia a mais, dois dias a menos. Hoje tão pouco importa.
Vago por décadas, não são momentos, são eras, dentro de mim. Eternidade pra quem um minuto é um dia, um dia uma vida.

Desta estada levo tudo que deixei, pois nada que conquistei tem força pra marcar a minha passagem, o meu tempo dentro desse momento. Eu já faço parte do esquecimento, porque esquecer é o anestésico da dor.

Não cabem dentro de mim as perguntas e indagações, as frases que não levam a lugar algum, a não ser pro avesso. Quanto mais tento, mais tento, e tentar cansa tanto.

Hoje quando eu novamente fechar os olhos eles se abrirão em um passado caótico, tão desordenado que tão pouco me inspira recriar, mas como posso evitar? Eu ainda não sei.

Mas eu trago as cicatrizes expostas e feridas abertas, doloridas, remediadas porém remexidas. Nada realmente muda por alí, preciso aprender de uma vez por todas.

Hoje encosto mais uma porta sem bater. Como sempre faço, quase nuca tranco, quase nunca esqueço. Deixo entreaberta com um fio de luz, um fio de esperança e uma certeza de retorno, breve ou longo.

Eu vou, porque ir é a única saída quando se quer voltar.

Ontem Eu Morri

Não sinto falta de nada, de ninguém. Saudade é transparente, me pergunto onde ela está, como que preencheria meu peito se existisse. Hoje eu morri e por isso ouço apenas um vácuo, sem tato, sem odor, sem cor ou brilho, é tudo silencioso.

Não sinto falta de nada, de ninguém. Eles estavam ali, todos ali, e de cima eu via suas almas, seus sorrisos, de um plano inerente ao real, ali estava eu.
Essas pessoas, nunca se viram, nunca se falaram, não existiam para com as outras antes do momento que eu as uni, conectei cada vida à outra, transformei estranho em conhecidos, conhecidos em amigos, amigos em família.

Não sinto falta de nada, de ninguém. Mas como em um rolo de filme vejo a vida passando por meus olhos e me trazem recordações de algo que talvez só tenha existido pra mim. Onde eles estariam se não fosse ali? Eu sedimentei cada pedaço desse caminho. Hoje eu não sei mais voltar por ele, ou pra ele.

Não sinto falta de nada, de ninguém. Vi como se todos estivessem celebrando o futuro após minha morte, exatamente o que aconteceria se amanhã eu não estivesse mais aqui. Talvez isso me orgulhasse, saber que eu consegui unir algo impensável, talvez ninguém seja capaz de parar e sugerir um brinde, um minuto de lembrança de quem foi primordial pra tudo isso. É pedir demais.

Não sinto falta de nada, de ninguém. E precisa ser assim para que eu consiga caminhar, para que a dor sirva de impulso, e lembranças se atrofiem e coagulem, sem chance de me ferir mais. Vivo as circunstâncias do que acredito ser o meu caminho, só atravesso antes de esperar fechar. Vou até o limite.

Não sinto falta de nada, de ninguém. Por mais que eu procure por ela, que eu tente concordar que é necessária, ela se esvaiu de mim. A felicidade não me faz feliz, me anestesia mais e mais, dentro do peito e da mente, me isolando. Eu vi todos ali celebrando a vida e me afundando no esquecimento, pá sobre pá.

Ontem eu morri sem avisar, bem longe dos olhos de todos, no silêncio, sem contato, sem lágrimas ou soluços de choro.

Foi só mais um golpe em alguém acostumado a sentir pancada, dolorido.

Eu fiz minha parte, mesmo que ela seja invisível à vocês. O resultado já se consumou. Ontem foi o reflexo.

O Esquecimento

Quando eu dei meus primeiros passos em sua direção, estava convicto da vitória. Não antes de ter passado duas, três vezes à sua frente, espreitando com ar curioso., mas quando fixei os olhos e enchi o peito de coragem, eu era soberano.
Porta entreaberta, um estranho brilho reluzia e ofuscava se olhado diretamente. Me peguei curioso pelo seu formato triangular, diferente do que antes tinha visto. Um ranger, estilhaços ao chão, sinto pequenos cortes em meus pés descalços, uma pequena dor, pífia diante do que me motivava.
Não há luz além da que me ofusca a vista. Não há velas, candelabros antigos, abandonados. Preciso me achar ali, preciso que meus olhos se acostumem com o ambiente e seus contrastes.
Três dedos fecham a porta logo após eu passar. Um suave "click", e a luz se foi.

Sinto um ardor que vem de baixo para cima, eu desisti de caminhar e agora só arrasto os pés. Eles doem, como deveriam doer. Há uma brisa fria e áspera tocando meu rosto, como uma pequena poeira. Sinto que me suja a pele e lixa os olhos, se eu tentar limpar, piora.

Com as mãos eu toco cada pedaço, com a visão do triângulo de luz na minha mente, recriando uma imagem, tentando achar de onde poderia estar vindo. Sinto entre os dedos, na palma da mão, objetos e formas que regurgitavam lembranças embaralhadas, isto me confundia.
O mais estranho é que eu não conseguia voltar. A cada passagem, as formas desapareciam, minhas mãos não mais as achava em meio a escuridão. Era o começo do fim.

Cansado, quase que suando dentro daquele lugar gelado, perdi a noção do tempo. Teriam se passado horas, talvez dias, anos...
O que me impulsionava era a tentativa de entender o que restou ali, qual a ligação entre as formas que eu tocava. Perdi a fome, curiosamente a sede. Eu não sentia mais necessidade dela, aliás, eu nem me lembrava.

Decidi não mais tocar nada, e bruscamente me giro a direção oposta, caminhando em passos largos de dor, mãos estendidas como as de um recém nascido pedindo proteção. Sim! Há algo ali que meus olhos decifraram na penumbra! Algo que me fez esquecer por um momento qualquer dor e me puxava, me puxava.

Formas sutis, arredondadas, sinto veludo, alguns pequenos filetes de madeira.

Porque bem no centro? E porque me parecia tão novo dentro daquele frio e turvo quarto?

Guardião

Preciso separar o que sinto do que é real. Tirar de dentro de mim este universo de tentativas e erros, de lutas e batalhas sem fim. O que vejo, não mais ver, o que toco, não mais sentir, o que falo, não mais soar, o que faço, não mais ser notado. Deveria tomar mais cuidado em viver, em fazer com que minhas ilusões sejam meus erros, e ser mortal. Simples. Ou talvez apenas não existir mais aqui. 

Quando eu não tiver mais nada a dizer, e as palavras se esconderem dos meus lábios, e um vazio pleno tomar conta da minha alma, eu teria sido derrotado ou vencido? Eu teria dito a mim mesmo que não há solução, é impossível. Dreno minhas forças a cada tentativa, me enfraqueço, me torno mais e mais insuportável e intruso. Luto a cada segundo, eu batalho, mas é sem méritos. Talvez eu teria aceitado mais.

Não posso ser mais o meu reflexo. Deduzir que serei retribuido como retribuo. Eu grito mas para quem? Existem tempestades imprevistas e onde eu vou perder, e não existe saída. Preciso matar aquilo que reage por dentro. Esperança? Força? Insistência? Deve ser subtraída e calar-se. Alguém me acorde deste pesadelo ou me deixe em um profundo coma, onde o vazio preenche todos os espaços.

O mundo aqui é sutil e voraz. Te devora em silêncio. As palavras aqui são ditas em um circulo, rebatidas. Talvez eu chore seco, escorra ardido, me trai e me maltrata, e por isso que eu vivo aqui. Sou apenas cúmplice dos meus próprios pecados, condenado a esbravejar e encolher dia após dia. Apenas cúmplice de uma historia sem personagens ou roteiros, onde eu vivo o herói e o vilão e salvo a mim mesmo. Todo santo dia. 

O que eu digo pra você é tão puro e se torna tão invisível, que me faz querer explodir a cabeça em uma rocha. É tão sensato dentro do seu ninho de confusão, tão melhor que faz mal. Mas eu estou de um outro lado, olhando dentro de você, e é tão transparente pra mim, tão condicional e simples. Todo este tempo eu estive escrevendo sua história e nunca foi lida. Agora tudo é tão vazio.

Cada vez mais eu sinto a solidão das verdades. As faces se vão, esvaindo-se, deixando apenas marcas sem expressão. Por favor, o que eu deveria dizer? De onde eu deveria recomeçar? É claro que eu me sinto mais incomodado dentro de um universo do avesso. Eu estou em um salto de fé sem controle, sem fim, mergulhando no infinito. 

Hoje eu pensei em desligar a razão e vasculhar o submundo da ilusão, fazer com que eu semi-morresse, deixado levar por tentadores métodos de morrer. Hoje eu procurei como sangrar, e não achei saída. Acho que nunca haverá, mesmo que eu apenas ande sem olhar para trás, tudo vai ser carregado. Uma bagunça sem ordem, uma desordem diária.

Só eu respiro meu ar. Luto contra meus demônios e anjos. Reluto contra as noites claro tentando montar todo este labirinto e achar a saída o mais rápido possível, mas ela está aqui, dentro de mim? Ou um borrão se formará quando cada peça finalmente se encaixar? Eu pergunto porque não questiono. 

Alguns acordes, a música que ecoa é triste. Sinfonia da morte e da ilusão acompanha cada pedaço do meu desespero. E é tão fria e vazia, eu escuto seu sarcasmo. Por hoje eu sinto que cansei.

Feche a porta por favor.

Sincronismo

Eu queria paz. Branda, silenciosa, imune a dor, a gritos, estrondos, conflitos. Queria uma brisa leve do mar, um som contínuo, indo, vindo...Queria poder respirar sem forçar, sem suspiros ou fadiga, sem pressa. Fechar os olhos e absorver só aquilo que cativa, que poderia me revigorar, me renascer, me por em um lugar neutro, completamente neutro. Eu quero só isso.
Hoje, ontem, amanha. Não quero competir, lutar, superar, conquistar, derrotar, nada, eu não quero nada disso. Eu quero apenas poder sorrir sem motivo. 
Algo que me levante aos céus, me tire inconscientemente palavras boas, satisfação e glória. Um conjunto perfeito de fatos, fotos, afagos. Um sucesso invisível e imortal. Deste lugar ninguém me tiraria tão cedo. Olha eu aqui, olha eu aqui. 
Quando eu registro aqui eu deixo verdades. Doloridas, alegres, eternas ou momentâneas. Eu deixo um legado. Um livro aberto sobre o que é sobreviver acordado dentro de pesadelos, sobre o que é caminhar entre lobos e cobras, o que é sofrer calado. Eu puxo o que aprendi, escrevo como posso, bem ou mal, certo e talvez errado, me faço entender. Eu acendo a luz que se apaga dia após dia, hora após hora.
É quase sempre assim. Eu começo bem, e me deparo com a desilusão. Grito, ecoa, grito, se cala. Eu mais que ninguém sou só um escravo a mercê de mais um dia. Eu tento separar tudo, mas as vezes é muito muito muito complicado.
Desanimado, deixo a fadiga tomar conta de mim. Ela consome como droga, destrói por dentro lentamente, te envelhece, te seca, te definha. Leva sua imunidade, sua juventude, sua pulsação. Eu estou refém da belíssima fadiga. Ela vence, eu sou o perdedor.
Eu estou longe de casa, ou estou perto? Deixei lá quem me deixou, muitos daqueles que eu amei. Eu perdi, eu perco ainda. Perdi pois talvez nunca tive, porque não quero o que todos querem, eu procuro por mais que posso ver, talvez eu não veja nada do que quero, mas eu sinto, eu continuo sentindo. Eu aqui estou seguro e sozinho, estou salvo e condenado, respirando e doente.
Talvez eu passe por essa vida sem ser notado como eu queria. Talvez após isso, eu até seja, mas nunca irei saber. Não falo de reconhecimento, não falo de fama, falo de respeito e consideração. Talvez quando eu me for, tudo fique claro para aqueles que hoje não enxergam, não notam o tamanho de tudo isso que esta aqui, não notam o tamanho da minha grandeza, essa tal que me leva e traz sempre de volta. Eu sempre estou aqui, e você talvez nunca percebeu o quanto pode ser bom, só vê o mal.
Não me diga que sou incompreendido, não me chame de rebelde, não me menospreze, não use das minhas palavras contra mim, não me engane, não me desdenhe. Pense em mim como algo incógnito, sem regras, sem descrição, sem rótulo. Algo que você admira por desconhecer e por querer entender. Eu sou apenas isso.
Guardo comigo muitas passagens, historias, momentos, pessoas. Muitas pra sempre ficarão vivas e ao alcance quando eu quiser, como eu quiser. Talvez outras desapareçam com o tempo, com a necessidade, com a falta de cuidado em se manter aos meus olhos ou alma. Eu nunca esqueço quem me soma. Quem me vê como soma. Quem me inclui e não agrega. Eu estou aqui para fazer o bem mesmo sem você acreditar.
Tudo isso porque eu queria paz. Aquela, do começo. Eu queria paz. Que ela venha sem que eu precise mais e mais tirar. Que ela chegue antes de mais um amanhecer, antes de mais uma primavera se fazer, antes que eu deixe de crer. Sirvo como cobaia, como exemplo, como motivo, como chaga. Sirvo como peça, pedaço, trapo, estilhaço. Eu só quero a paz.
Não sou poeta, não sou artista. Não sou santo, não sou sequer anjo. Não sou nada além do mesmo. Sou eu mesmo. Obrigado.

Eu!

Tudo é tão simples, descomplicado. Eu aqui, assim, sem saber e sem pensar. Deitado acordado, sufocado, açoitado. Se eu não acredito em fim, ninguém mais acredita. Eu, eu, eu. Sempre eu.
Um universo bem pequeno e paralelo. Eu coloquei alguns fantoches, personagens. Eles vem, eles vão, não tão aleatório quanto eu descrevi, mas eu controlo sutilmente, peça por peça.

Já assumi ser insano o suficiente pra assumir que sou assim, sem que ninguém perceba, ou melhor não perceber. Eu faço de conta ser normal quando estou normalizando com vocês. Entendeu mas não compreendeu.
Se fosse fácil explicar, seria fácil demais e não seria nada do que deveria ser. Eu preciso rir, posso? Hahaha. Eu não acredito que alguém venha a entender. Que coisa mais estranha.
Se eu apertar um botão, isso tudo some, desaparece pra quem nunca apareceu, se é que um dia alguém realmente notou. Essa minha presença não é bem vinda.

Hoje eu marco passos longe longe. Aqui se eu quisesse ser você, eu poderia ser. Se eu brincar de sorriso e abraço, quem iria negar? Aqui eu poderia fazer de conta como aí fazem de conta comigo. Um vai e vem de suposições e situações. Eu não sou ninguém aqui.

Eu deixo essas palavras ficarem marcadas. Eu, eu, eu, sempre eu. Já deu! Por isso eu escrevo. Ou digito? Talvez essas palavras jamais existam. Eu apenas registro da forma que puder.
Se eu reclamar mais uma vez, eu não estaria mentindo. Mas ninguém se importa, ninguém se apresenta. Eu não sou nada além do mal que você evita, que você tenta se livrar, apagar, esquecer.
Eu vejo tantos sorrisos que comecei a sorrir sem ver, sabe?, automático, você faz eu faço. Vejo tanta bondade que me tornei um anjo em um céu azul, e branco. Vejo amor, demais, paz, demais, sem temor. Eu bato palmas e admiro, tamanho poder em ser bom. Eu sei ser bom, olhe para trás e puxe na memória eu sendo bom pra você, e pra você, e pra você também! Hahaha.

Muitas pessoas são cúmplices. Posso dizer quase todas? Posso. É uma abismo que eu sei, fundo, escuro, repleto de eu e vocês. Morreria sozinho lá dentro? Não não não. Eu vejo e sei, tudo aquilo que você não quer mostrar. Mas porque não? Não é bom pra sua vida. Essa sua vida, tão perfeita e tão brilhante. Suja! Tão ou mais que a minha, eu eu eu sei! Mas tudo bem, não se rebele e esta tudo dentro do seu controle. Respira.

Eu me divirto, quase sempre. As vezes fico tristonho porque tento brincar com gente morta, mas eu estou deixando esses definharem. Eu preciso do meu lado pouco, bem poucos. O resto é maldade, fazem mal, trazem o mal, pensam o mal, querem o mal. Eu me curo dia a dia e fecho as feridas que me deixaram aqui, abertas.
Eu vou sarar. Eu vou sarar.
Procuro pela cura todo santo dia, aqui dentro de mim, desse labirinto escuro. Sei que está aqui, como tudo está aqui. Só preciso fechar mais e mais, mais e mais, até não haver saída.

E você ainda acha que pode saber sobre mim. E você ainda olha pra mim como olha pra você. E conclui que pode ser tudo que eu posso. Não!

Nada é mais errado.
Sai daqui.