Quebrada

Desta vez, por mais que eu não queira, eu te deixo ir. Seus cabelos negros, sua boca vermelha, sua voz de menina, seu estilo criado por mim. Tudo traz de volta, arrepia a pele, seca a boca, um magnetismo perigoso e incoerente, estridente, eminente, doente. 
Pelas mãos te trouxe até o lugar mais alto, e soltei para sentir o frio dentro do seu estômago toda vez que embarcava de volta, retorno a sua realidade, longe, bem longe, mas tão perto.
Cativo a esperança, um vício, uma doença, um jogo sem vitórias no final. Um começo que conheço, um fim que tenho em mim, e repito, dito, aflito. Angustiado por querer, certo de poder e ciente de padecer, eu começo e termino, já sabendo a dor que vem.

Menina loba, mulher em formação, passo rápido e percebido, eu jamais me escondo, me aluno, sumo ou recuo. Eu luto até o estalo estalar.  Não culpo nada, ninguém, nem eu, nem você. Não houve culpados, não há culpados. Há história que se borra, mas não se apaga, que cicatriza mas ainda dói, que uma vez ali dali não são mais.
Me peguei sorrateiro, mas sempre fui, talvez cansado um pouco de lidar com vc, com uma inevitável você, que só é assim porque a vida lapida com o tempo, por mais que um diamante bruto já esteja formado, seu brilho e transparência só vem depois.
Transparência essa que não me falta, passando até demais. Tão sincero que não me permito e nem me permiti mentir, mas sim omitir, algo que poupa a discórdia e o caos em nossas mentes, este mesmo caos que vive agora. 

Um não basta. Tão potente e forte como um golpe. Tão fundo e frio como uma cova. Se eu ou você entrarmos ali, não sairemos. Mas eu ainda não cavei tão fundo. 
Dentro de mim há vários eus que teimam em aparecer. E quando eu aviso que não tente me entender, eu faço um esforço para responder por mim. E separo tudo, como sempre digo, muito bem. 
Um último suspiro com data marcada, a brasa das chamas se foram, e o fogo se extinguiu. Ou adormeceu. É confuso e inexplicável, são inconformáveis razões e certas decisões, mas o que te leva embora te traz de volta. Uma dependência sem profilaxia correta, só se dopar.

Desta vez eu me olho no espelho à procura de saídas, elas não vem, eu reluto em aceitar e tento montar aqui dentro os estilhaços e reconstruir seu rosto, borrado e desfigurado, um rascunho que me recorde de alguma coisa. 

Um não seu é tão sufocante quanto um estrangulamento, talvez pior, mas você ainda não sabe estrangular, deixa vivo agonizando, não sabe matar de vez...
...pra que então dizer adeus se eu ainda vivo?

Invisível

Eu continuo aqui. No meu mundo que desaba todo dia, enquanto uns acham que é uma fase. Extender os braços a quem pode alcança-los é fácil. E onde estão as pontas dos seus dedos sequer? É um caminho sozinho, sempre sozinho. Miragens e paisagens ao redor, de que nada adiantam ou trazem mudanças. 
Eu vivi e esperei, por algo que talvez não venha. Nem hoje, nem amanha. Não me encha com suas frases feitas, suas promessas de vida, suas palavras doces. Eu navego na essência da desilusão. Aqui o inferno é real. 
Mas quem se importa afinal? Ninguém.

Crises de insônia, crises de angústia, crises de perdição. Não sinto na pele minha dor, sinto na alma. Aqui dentro infelizmente é tudo invisível. Mas também, quem hoje esta preocupado em olhar profundamente? Eu preencho parágrafos com perguntas. Elas são muitas.
Olho para os lados, estão aqui, estão ali, e não estão em nenhum lugar. Se eu gritar hoje, quem ouve? Se eu sangrar hoje, quem estanca? Se eu morrer hoje, todos choram. Porque lágrimas suprem falta, mas não suprem ausências. Antes de escorrerem pelos seus rostos, deveriam ter sido combatidas com amor.

Eu padeço. Desintegro. Dia após dia. Existe a saúde que mantém o copo vivo. Um corpo com uma alma em coma, um profundo coma. 
Quantas portas entreabertas, quantas trancas e cadeados. Eu sinto um aperto tão grande no peito. Tão forte. E ele não se interrompe. Ninguém sente mesmo.

Talvez o tempo abre todas as portas hoje trancadas. Talvez o tempo apenas me cale ainda mais. Talvez o tempo pelo menos, em um gentil momento, me dê as respostas a tudo que preciso, boas ou ruins, mas irão me satisfazer.  

Enquanto todos veem invertido, um negativo de toda a verdade, eu não tenho como lutar. Enquanto todos derem com os ombros, eu estarei de joelhos, pois sucumbi. 
Não é drama, não é carência, não é derrota. É carma e verdade.  É batalha diária, não essa que você trava diante dos olhos, é outra, é diferente, é agonizante. 

Eu preciso enxergar um ponto apenas, um único ponto. Mas ele precisa ser fixado ali, por qualquer um, por mim, porque quem seja, mas ele precisa reluzir e brilhar para que eu enxergue e vá, direto e destemido. 

Hoje eu não tenho nada, nem ninguém. E quando digo isso não é da forma que você entende. Quando eu digo isso eu falo comigo mesmo e externo. Eu não quero ser socorrido quando estiver na sarjeta ou em uma maca, eu não quero ser afagado quando estiver indefeso, eu não quero.  Eu quero que qualquer um ou alguém ou algo reencontre dentro de mim o prumo, o norte, o sentido. Eu sou incapaz. 

Um gigante hoje acorrentado. E nada me liberta por enquanto.