Reflexo

Todos nós somos como espelhos. Refletimos desafetos, tristezas, comportamentos. E passamos a entender o que cada um significa, de dentro pra fora, de não só carne, ou osso. Passamos a sentir pena, a sentir remorso, a sentir vingança, e ódio.
E fingimos ser aquilo que não somos. Nos enganamos, nos subornamos. Nos tornamos vítimas de um auto-sequestro. Maquiamos a alma, fantasiando o corpo, podando vozes, cegando atos e dilaceramos sentimentos. Sua vida se molda, vira do avesso, e você sorri, cego daquilo que passa por seus olhos.
Compensa seus erros com novos amores, compensa seus tropeços com novos degraus, e sobe, e cai, novamente.
Escuta críticas, destrutivas. Sarcasmos e sarros, pedaços de satisfação pelo seu insucesso. Se intrometem em seus atos, caminham sobre seu mundo, e o que deixam para traz? Feridas.

E assim convivemos.

Mas ainda é duro aceitar, entender o que faz alguem se desprender do correto, de tentar errar, e gostar de dor, de machucar-se, de não pensar do porque que os detalhes nos mostram como as coisas funcionam. Irracionais tais atos, impróprios, imaturos, inseguros. Não penso que esteja certo de  tudo que posso fazer, mas estou certos dos erros que não cometo, das tentativas que não são atoa, e de aprender com você, que erra.
E as pessoas se esquecem, se trocam, substituídas como mobílias. O que você oferece hoje, se perde amanha, porque aquilo é obsoleto. Entende?
Eu acredito na irracionalidade das pessoas, desenvolvo sobre elas o meu sucesso, corrigindo-me por seus erros, me dando o caminho das pedras. Mas não sou capaz de suportar isso para sempre.
Peço meu desabafo de alma, meu descanso, onde possa ser inatingível, intocável, de onde não possa sofrer, nem ser julgado.

Louco, em vão.

Sangro

E novamente me vejo em meio as incertezas. De onde não caminho com belos passos, mas sim aos tropeços. E ao despertar molhado de suor e calor, tento entender as razões, e elas não me saltam a mente. Meus propósitos, talentos, forças, lutas, onde estão?
Nas batalhas que a vida me pôs, como um forte soldado lutei, mas sem méritos. Sem medalhas decorando algum uniforme ou algo parecido. Sem homenagens ou condecorações por obras ou feitos. Não há sucessos. Não houve frutos. Dos mais altos pontos vi todo o horizonte de esperança e glória, mas como uma bela paisagem, a distância separa o real do sonho. E me questiono ainda, por mais que a calmaria insiste em aparecer, eu me pego em meio a controvérsias e angústias repetidas.

E de que importa o que falam? E de onde viria a paz que confortaria meu ser? E de palavras eu estou cheio. De histórias e atitudes que afagam um cadáver, eu estou cheio. Alguns atos apenas enxertam um corpo vázio, maquiando seus temores, subornando seus maus, tapando seus olhos sobre o transtorno. E disto tudo estou cheio.

Ainda espero por você, esperança, como outrora em sutis termos lhe implorava por surgir, hoje clamo por ti. Me estenda um braço, me segure a mão, te espero na forma mais linda que possa imaginar, e lhe espero portando um sorriso que me apaixone, e que me acolha, e de onde eu não possa mais sair. Com perfumes que me dopem do mais puro sentimento de felicidade. Me ache.
Do lado de cá me nego a viver, me podo aos prazeres, me confisco o mundo. Não, não quero mais. Me tirou a razão, gana, luta, e não quero mais. Aleijado pelas circunstâncias, posso apontar os culpados, e dentre eles estou eu, mas, posso apontar os meus cúmplices. E temo que nem eles serão capazes de reconhecer à mim. Desfigurado, retalhado e então, sangro. Do mais vermelho e denso rio de sangue brotam esses focos depressivos que não dizem nada a ninguém, senão à mim. Das farpas que retiro do meu peito a cada dia, sangro, e mais um buraco se abre, sem coágulo, sem dor, senão à mim.

Meu Deus, qual o sentido? Pasmem o ponto onde chega o desespero, e repito, meu Deus, qual o sentido? Quando tudo que se vê te provoca. Quando tudo que se vê, te enterra ainda mais...
Qual o sentido?

O Sul


De onde os ventos sopram forte. Agressivos e impetuosos. Machucam inocentemente, como um felino sorrateiro, leoa, loba, pantera reluzente como luz, branca sem marcas. Por onde passam, metidos, forasteiros que dizem saber mais que você, brilhante mente, que deduz as mais simples situações, que machuca ao rir, um riso real, sabotando a fragilidade de meros mortais.

E não escapo se encontro o Sul. Prende, fascina por suas paisagens e formas, cores e sons, desperta o prazer. De onde vêm tamanha força, inicio das marés, que inundam e afogam os desavisados. Me destrua se podes, sem toques, sem força bruta, olhos de pantera, matadora. Leve e livre sobre seus saltos, coragem a mostra, rasga a paixão.

Das rosas que circulam por seus contornos, cores vivas, do lado de cá não percebes a violência que causas. Ponto. Me toma as palavras, me tira o constrangimento e me devolve a inspiração, mas me toma as palavras. E se viva se faz, que corra o sangue quente e vulgar, perverso e dengoso, e no fim, murmuros. As  vezes te confundo, não?

Metáforas não lhe agradam, pasmem, Sul, vigor e viril, e metáforas te assustam. Loucos aqueles que não se despertam ao vê-la, de louco não tenho nada, rijo e forte, tu me tens assim. A verdade é discreta, como  foram de sutilezas feitas estas palavras, que não dizem o que lhe possa entender, mas que conseguem saciar a sede por muito tempo.

Sul, assusta-se. Mas não explorei seus desvaneios, nem suas fraquesas, nem de perto seu eu. Lugar bonito que prende quem passa, sequestro sem abuso, cativeiro prazeiroso e eterno.
Quero do encanto que me fascina ser escravo, se rir, saberás que podes.
Quero do encanto que me fascina ser escravo, se chorar, saberás que é verdadeiramente, mulher.


Passos

Os ventos sopram sem fim. Tocam a pele, seduzem com delicadeza. Trazem o frio, sinais de tempestade. Alimentam os medos que nos fazem se esconder. Traz a chuva que alimenta a vida e suas mudanças, e estas estão a caminho, como um vento que sopra devagar, mas constante, sinal de tempestade, sinal de turbilhão de sentimentos.
Desafios sem medo, etapas sem fim. Vitórias que com o tempo são esquecidas, alimentadas por derrotas que  ressurgem sempre e sempre para rasgar a alma. E os ventos nunca param de soprar.

Quero sentir a força da paz. Os caminhos que nos ensinam a chegar a este ponto. Quero sentir o pequeno momento que vale por anos. Transpõe os estilhaços que decoram meu caminho. Espírito calmo e serene.
Não desejo mais a luta, a ganância que corrompe à todos, que limita a pureza de ser simplesmente humano. Procuro entender o que me é mostrado, e de dentro do meu mundo, livre, sinto os ventos que não param.

Loucos varridos que tropeçam em seus pequenos frascos de rancor. Menino mal, vingativo, não merece perdão. Incorreto é pouco para classificar tais pessoas, mas nada me transpõe. Seus dedos não me tocam, seus sons não penetram meus ouvidos, suas facas não me provocam feridas. Força.

E por meio as tempestades lá estão aqueles que estendem os braços. Mãos limpas e firmes para o mais forte apoio. E estes são diamantes, reluzentes e puros. Sem valor comercial. Sem venda, sem reposição.

Parto pra mais uma travessia, neste deserto de vida, nesta multidão de gritos mudos. De onde não saio, e de onde eu não posso ficar.

Ventos...