Invisível


São calos que a vida cultiva em você. Te transforma dia a dia, te assusta mas assume que te molda, te mantém refém das suas vontades.
Muitas das coisas hoje passam despercebidas, sem sentimentos, sem abalos, como que se fossem invisíveis a qualquer tipo de sentido. Não sinto pena, não sinto dó, não choro por aquilo que vejo, não me culpo por não ser culpado.
Como que se as mortes fossem falsas, os choros fossem sem motivos, as perdas fossem apenas mais uma vinheta sem importância.
Nessa vida talvez eu já tenha aceitado os tombos de uma certa forma que o que acontece ao meu redor é tão fútil e inatingível dentro de mim que prefiro me calar a demonstrar tamanha frieza, inevitável, mas real.
Se eu pudesse evitar este circulo vicioso, e soubesse as respostas para aquilo que sinto, se eu pudesse andar sobre as águas, ou sempre escolher o certo, eu estaria em um sonho.
Mas isto tudo é um letárgico labirinto sem saídas, um local sem palavras perfeitas, sem ninguém mais além das minhas inquietas revoltas. Distribuo sorrisos, quais deles são meus de verdade e quantos são atuados. Tudo aqui parece invisível ao meu coração.
O que escuto de dentro desse escuro universo é o que ecoa por meus olhos, meus suspiros. Quanto tempo resta até a hora de renascer.
Sinto minha falta de sentir, como que sem uma parte de mim, como que independente de minhas vontades. Eu sempre me perco enquanto todos se encontram.
Eu apenas faço enquanto desfaço. O que mais me dói hoje é tudo que ontem apenas feria, e tudo aquilo que era real.
Os capítulos que escrevi são diários, confissões sem perdão, contados e cobrados por mim, que me cobro e me julgo mais que ninguém. Eu reafirmo as mentiras, contesto as verdades, eu me confundo entre aquilo que não vejo.
Eu finalmente devo partir, deste frio e viscoso lugar. De onde eu estiver eu vou resguardar os pedaços que sobraram de tudo que restou aqui.
Olhe em meu rosto, eu não posso apagar meu passado, tem sido tão frio, e inquieto. Olhe em meus olhos e veja os caminhos do inferno, diante das dores insanas que eu carrego, meu fardo e punição.
Eu vejo seu choro compulsivo, sua familia se foi, são agora historias antigas que nada significam para mim, um causo sem propósito, uma perda fútil.
Quantos mais eu devo ver partir e enterrar dentro de mim antes que tudo termine, sem pequenos medos.
Por favor, livre-se de mim aqueles que são incapazes de sentar-se ao meu lado, pois não há espaço para muitos, por favor eu não entendo seus atos e palavras.
O que eu deveria fazer para que vocês me enxerguem tal como eu sou, talvez mais simples do que possa ser, e mais difícil do que eu possa ver. Tão invisível.
Eu engulo todas as perguntas que vejo, e engulo todo meu orgulho cada vez que questiono o porque de cada um ser aquilo que não é. Eu ainda visto esta miserável mascara de carne.
Hoje aquelas mortes que doem no seu peito são pingos secos neste telhado, secou com o tempo, com doses de talvez e não sei. Tudo muda. Tudo volta a ser exatamente nada quando não sabemos ao certo se chegamos ao fim.
Vamos passas por estas farpas cortantes e desmembrar pedaço por pedaço qualquer dor ou ferida aberta.
Não vejo mais nada com os olhos fechados e trêmulos, cansados de tentar achar um jeito de perceber o invisível. Não vejo mais.

Seco

Não há vitorias onde as conquistas não são gloriosas. Não existe força para vencer, metas a seguir, desafios a enfrentar. Não transformamos dor em coragem, perdas em aprendizados, derrotas em lições. Quando se perde o prazer, quando se tira o sentido, você vaga sem rumo, literalmente deixando-se a deriva.
Não há sorrisos por gestos carinhosos, não há remorsos, nem sentimentos de perda. Quando a morte lhe é informada, um suspender de ombros. Não há dor.
Sua imaginação sepultada, idéias atrofiadas, vontades relegadas e desaparecidas. Não existe emoção.
Não existem amigos, amores, familia. Cada qual se foi, cada qual se distancia da forma mais cruel que conseguir. Onde não existe sentimento, não existe tolerância, nem reconhecimento, só indiferença.
Quando terminar, se terminar, esperemos frutos dessa arvore podre, ou que outra renasça e limpe todas as impurezas e doenças que infectaram aqui. É preciso renascer. E não esperar a morte e sonhar com fantasias. É preciso renascer nesta vida real, e todos tem esse momento.
Eu preciso morrer para respirar novamente. Preciso tirar de dentro de mim todas marcas deixadas, tudo que se transformou em pesadelo.
Neste lugar não vejo mais a luz, apenas dias cinzentos e mortos, horas que se vão sem sentido, pessoas que passam sem relevância. Noites mal dormidas, dias carregados de vazio.
Esta não é minha vida. Nunca foi e tenho certeza que ela deve voltar a ser com era. Esta não é minha vida. É uma passagem. E estou aprendendo a sofrer, e vou aprender a usar tudo isto quando as mudanças chegarem. Me fortaleço na dor, me preparei para aceitar meu verdadeiro destino, e acredito sem pestanejar na força que ele tem de educar e talhar sua existência.
Na frieza daqueles que me cercam, no descaso daqueles do próprio sangue, na ignorância daqueles que não reconhecem o passado, na falta de gratidão, na falta de irmãos, eu sobrevivo, e anseio pelo meu renascer, dentro deste mesmo pulsar.
Largo aqui minhas palavras, despejo aqui a realidade de conflitos que a maioria sequer imagina existir. Testemunho aqueles que interessar como é viver um verdadeiro inferno, sem ficção, chamas e demônios. Você pode sofrer no paraíso, acredite. Onde a rosas há espinhos, onde há abelhas, existem ferrões.
Deixo capítulos dessa história enquanto transponho sozinho um caminho áspero e árduo, e não há a quem recorrer conforto. Não há.
Deixo que a vida escolha o que mereço, pois eu escolhi acreditar nela.

Encanto


Seus cabelos lisos, intactos, negros como o anoitecer, passaram por seus olhos e lhe chamaram a atenção, seguido de seu perfume. Era linda, alta, com um charme encantador e um ar rebelde que combinava com seus traços. Ela não o viu, nem hoje, naquele momento, nem sequer em algum ponto de sua vida. Seu perfume lhe tocou fundo como um despertar desesperado, e ele olhou fixo para ela, de costas, de perfil. Ela usava um boné, preto, sem dizeres, que prendiam seus cabelos à frente, e deixava a mostra dois piercings em sua orelha, que ela ajeitava constantemente com suas unhas azul celeste. Vestia uma calca justa, semi social, um blusa colada cinza e uma jaqueta preta, com um salto preto. Estavam ali, dentro de um espaço unindo mundos diferentes, onde jamais poderiam pensar estar, e que um dia se encontrariam. A um metro e meio de serem um só. 
Seus olhos a seguiam, ele reparou sua pele sedosa e seus lábios grandes e carnudos que não deixavam escapar seus traços latinos. Morena de pele clara, olhos negros, boca grande, ele estava paralisado tentando fazê-la retribuir os olhares incessantes. Mas nada. Ela ficou de costas para ele, revelando sem querer suas curvas mais delicadas e sensuais. Ele a devorava com os olhos.
Enquanto as estações passavam, as pessoas entravam e saiam, ele viajava. Imaginou um mundo completo ao seu lado, imaginou filhos ao seu lado, o que aconteceria se trocassem duas palavras, ou se talvez os destinos dos dois pertencessem um ao outro. E ele a tocou com os olhos, a beijou com os olhos, afagou seu pescoço e imaginou frases que poderiam lhe agradar e arrancar um sorriso.
Algumas pessoas saíram e ela enfim pode se virar para ele, encostada na porta do vagão. Talvez ela se sentisse constrangida com os olhares, o fato é que é impossível negar que esta sendo observado, e ele fazia questão de externar isso. 
E de frente para ele, naquele metrô lotado, ele não via mais ninguém a não ser aquela pessoa que jamais havia conhecido. E pensava consigo como é possível se apaixonar em segundos, amar em minutos e construir uma vida dentro de si mesmo com alguém que nunca lhe foi apresentado.
Ela permaneceu ali, entretida com seu iPhone, olhar para baixo, rindo de fotos de fatos que faziam parte da sua vida, aquela que ele invadiu por minutos enquanto lhe olhava. Uma paixão. Pura.
Ele esboçava sorrisos em sua direção, morena marota, com ar de mulher, decidida e sozinha, pele sedosa, lhe ignorava tão profundamente que deixava mais e mais intrigado e vidrado. 
Só um contato, só um segundo de seu tempo para que ele pudesse enfim ter um retorno, e valer a pena aquela e entrega sem precedentes. Mas isso não aconteceu.
Enfim quando ela saltou, e ele acompanhando com os olhos pode ter seus últimos momentos "ao seu lado", por um segundo lhe passou pela cabeça sair ali mesmo, atras dela nas escadas, lhe puxar pelo braço, dizer oi, e acreditar que as loucuras da vida são reais. Mas a realidade lhe trouxe de volta assim que as portas se fecharam, e acompanhando suas ultimas imagens subindo as escadas, ele respirou fundo, e um suspiro lhe trouxe de volta ao chão. 
Este é apenas o registro de uma paixão.