Feridas

Houve um tempo em que tudo isso fazia sentido. Em que a pureza e inocência que me enchiam ao explendor, não me clareava os olhos turvos ao deslumbre de palavras, de abraços, de risos, de um amor com cartas marcadas.

Do rasteiro altar daquela inexperiência, eu formei um mundo de desejos, fantasias, bons momentos, alegria, e união. Era tudo muito perfeito não fossem as arestas nunca aparadas. Mas eu não sabia que elas, pontiagudas, feriam.
Releva-se uma, releva-se duas, releva-se quatro, seis. Mas não todas. Eu não podia mais relevar.

Uma história percorrida sobre uma tênue linha separando a inconsequência endossada e a trilha dura e difícil da personalidade inabalada. Segui pela segunda, cambaleando as vezes, por outras saltando etapas, mas nunca invertendo o que tenho aqui no peito.
Não é fácil.

Houve um tempo em que eu temia deixar para trás o que supostamente amava, e isso me impediu de seguir, várias e várias vezes. Esse amor homeopático que não dura, não cura. E eu esperei que ele curasse.
É duro, é lascivo, é magoante. São raízes cravadas fortes dentro do peito. Como abster-se do vício, da necessidade, da carência, do conforto. É um longo e longo calvário até que as feridas se fechem. Se fecharem.

Eu colocarei pequenas pedras sobre cada mágoa. Elas ficarão ali, inertes, indeterminadas sobre quando sairão de cima, pois o peso delas é muito grande. Servirão de profilaxia, de terapia para sanar minha mente, e só depois meu corpo, e então quem sabe ele pare de sangrar. Eu não vou simplesmente ignorar tudo isso. Não fácil assim.

Eu escutei demais, e fiquei surdo. Surdo de todas essas frases sem peso, desses atos sem provação, de uma ilusão sombriamente falsa e irreal. Hoje eu não vou mais sentir nenhum peso sobre essas palavras, elas não surtem mais efeito.

Mais um ciclo está prestes a se fechar. Um longo ciclo. Meia vida, de um turbilhão de sentimentos, que me puseram de pé, e me levaram aos joelhos, mas me fortaleceram ao ponto de jamais desistir de tentar.
Sem olhar para trás, sem pensar para trás.

Pois aqueles que se importam estão sempre ao seu lado, não atrás.

Lembra-se?

É melancólico. E como toda forma melancólica remete a uma tristeza aguda. Daquele tipo que deixando-se levar te prende lá embaixo, no fundo do poço.
Onde existia alegria, que outrora parecia ser infinita, deu lugar a amargos momentos que desejamos que terminem rápido.

Infelizmente chegamos ao fim.

Enquanto se ouve lá fora reflexos de harmonia, amor, união, verdades, o que ouço é um denunciante silêncio, cúmplice de todas nossas falhas. Reféns uns dos outros.

Não há lágrimas, não há vontades de reatar, não há importância ou sentimento que à traga de volta. Não há questão. De ser, estar, existir, louvar.

Todo este jardim já foi muito mais que apenas estes galhos forrados de espinhos pontiagudos. Ele prosperava em vida e cor, em conjunto e junção de todas as mais belas flores e cores. Hoje só espinhos pontiagudos.

Talvez não haja um culpado só. Talvez todas as circunstâncias dos caminhos que cada um de nós vivemos, se perderam em algum momento da história, pra nunca mais se encontrar. Retas e curvas que se afastam, se afastam e se afastam. Todos somos culpados.

Quando abdiquei das minhas tentativas de manter tudo harmonioso, quando deixei que as rédias da historia fossem tomadas pelo destino e seguidas, ele mostrou a desigualdade da qual eramos cegos. Palavras que cravam no coração jamais param de pulsar.

Aqui jaz um dia de boas histórias, de representação verdadeira de amor, de alegria nos olhos e no peito. Dói, dói de verdade, mas ao mesmo tempo te ensina, te caleja, te amarga e protege de passar por tudo isso de novo.

Eu gostava sim, achava sim, vivia sim, achando que seria tão real pra eles quanto era pra mim.

Mas hoje em dia que o passado se trancou em baús sem travas, adormece no peito até entrar em um profundo e solitário coma.

Lá fora os sorrisos se mesclam, enquanto que aqui a serenata embala nossa tragédia.

Pena.