Agridoce

O sabor da minha vida é agridoce. Como lamber uma navalha e sentir um ardor e dor. Gosto de sangue, doce e quente, doente. Não existo perante aos olhos de ninguém além daqueles que não deveriam me ver. Um sofrido looping de rejeição e paixão. Um lago congelado, árvores tentando renascer. Um precipício tão alto que duvido que exista um fundo, um fim. 
Eu rezo. As vezes me encontro pedindo por clemência. Me enlouqueça, eu digo, me tire a sanidade e me faça não poder entender porque as flores murcham mesmo em tempos de primavera. Eu enterro e sepulto rios e rios de brilho.

Meu coração é um livro aberto em braile. Não me toque se não poder entender nada que esta ali. Não posso ser odiado para sempre, e amado, talvez quando eu amar. Talvez um pouco vergonhoso mas não falso. Os capítulos que se fecham se tornam história.
Hoje olho meu reflexo no espelho atrás de algo que me tire o foco e me de um sentido, tudo é tão frio e meu rosto sucumbe ao tempo. Nada é mais e tudo é menos, eu vou tentando encaixar algumas coisas e espero que essas peças se encaixem. 
Não estou acuado, não estou derrotado, não irei sucumbir. Mas não há vitórias porque eu não aceito vencer por nada. Confuso creio eu, mas de que isso importa? Eu sou posto à prova todo santo dia, e dias que não são santos também.

Lá fora a vida, rebate e renasce. São barulhos de mentes vazias, são o despertar de quem não acordou. Não quero pra mim esse tipo de fim, por favor não me faça cair em tentação, e me livre do mal. O mal que habita por onde piso e me cerca sem ninguém ver.
Eu dependo de dependências. Me fortaleço em busca de uma nova rota, um novo caminho, sem pegadas, sem desvios, e lá vou eu vivendo em metáforas, e lá vou eu vivendo em teoremas e teorias. Mas que porra é essa se não um sonhar? Me deixem sonhar!

Nada que eu conheço é tão arriscado que apenas ser o que sou. Tenho um profundo respeito e medo de mim. Sim, eu, eu e mais eu, afinal aqui reino em silêncio. Ou talvez nem tanto assim. Mas entenda, nada ou ninguém eu temo tanto quanto à mim.
Eu deveria manter esta porta aberta. Agora que acordei assustado, e se eu não conseguir mais respirar? Se eu trancar não serei salvo, ou serei um pouco mais esquecido, dentro do meu próprio casulo. Três, quatro passos, lá estou atirado debruçado no corredor frio e quieto. Sei que estão ali, mas é como se não estivessem. Tudo isso é tão solitário, tudo isso é tão triste.
Vivo três, quatro vidas, em uma única alma. Esta tão saturada e cansada. Sim, já sei que isso é prejudicial, não preciso de conselhos, nem de fórmulas ou receitas, e por enquanto é meu pesadelo, até eu conseguir acordar. Me deixa.
Vou contar um segredo...
...amanhã, será diferente. Eu peguei um pequeno espaço e plantei uma semente. Ninguém viu, ninguém notou, ninguém sequer sabe. Mas eu sei. E estou ali, naquele espaço que ninguém olha, cultivando e cuidando. Ela está tão bonita. Germinou e aponta seus primeiros ramos. Ninguém sabe. Que pena. Eu sei. A flor mais linda que já vi.
O sabor da minha vida é agridoce. Agrada e desagrada. Complementa ou separa. Eu gosto de agridoce, tem um pouco de tudo.