Aborto

As vezes eu só queria sumir, evaporar. Em um piscar de olhos deixar tudo aquilo que me faz mal, pra trás. Tudo que me faz mal. 

A dor em minha cabeça aumenta, porque a inconformidade borbulha e transborda. Até quando? Até quando?!

Eu só quero não precisar nunca mais. Só quero não contar nunca mais. Porque no fundo ninguém precisa do que preciso contar. 

É triste e desnorteante. O que sinto é um oco espaço sendo sugado em uma espiral pra dentro de mim mesmo. Um tornado de raivas. 

Ganância que não nasceu em mim. Ódio que não nasceu em mim. Egoísmo que não nasceu em mim. E tudo isso me impede de dar bastas e chegas. 

Um balde de água gelada com o peso de um iceberg. Um recuo forçado, como se acoando sem jaulas, como se um abismo simplesmente brotasse à frente dos meus olhos. 

Queria eu talvez ter sido o repúdio e a sobra. Um verme rasteiro que não se ergue. Uma negativa da bênção, um aborto. Um esquecido por querer esquecer. 

Queria preencher tudo com raiva, só com raiva. E transbordar em contextos o contexto de desamparo. Eu sou parte de tudo, ou não?

Palavras que são só palavras, junções de sílabas sem verdades. Princípios básicos da nobre arte de querer sem querer. Oferecer sem oferecimento.

Eu sou um vilão. Por viver assim, por estar assim, por querer assim, por pensar assim. Sou um vilão que não conjuga verbos de gratidão. 

As vezes eu só queria sumir, evaporar. Desistir e apagar. E que minha existência fosse pálida como o reflexo pessoal do meu ser.

Eu estou calado.