Primeiros Passos

Eu vivo o pior dos pesadelos por ter sonhado. Naqueles dias em que eu era apenas um menino, e tinha a inocência como companheira, que me fazia acreditar demais no que eu via e vivia, sem os defeitos, sem me mostrar as armadilhas que estavam por vir.
Ali, sentado sobre o alto do morro, eu olhava o horizonte e imaginava como seria e onde eu estaria. Carreguei o conhecimento, observando aqueles que me cercavam, aprendi cedo o que muitos levam anos e outros talvez nunca vivam o suficiente pra encarar tais lições.
Foi um tempo inocentemente difícil.
Eu fui um menino bom. Longe de ter sido perfeito, mas entendi rápido que não estava a meu alcance muitas coisas na vida, que eu não tinha os poderes dos super-heróis, e que eu não alteraria o que o destino - que eu nem sabia o que significava - resolvesse por si só. 
Aprendi que pessoas são más. Que algumas se aproveitam das outras e outras não aproveitam o que lhes foi dado. 
Eu caminhei lado a lado com inúmeros conflitos. O que era real? Quem realmente amava em meio as discussões? Quem eu via chorar tinha a pureza nas lagrimas ou trazia a malícia que eu era incapaz de entender? 
Lá estava eu, sobrevivendo no olho do furacão, enquanto adultos, até entao meus espelhos, entravam em colapso. Sim, eu me calava e olhava, e enquanto eles pensavam que eu não lembraria na manhã seguinte, eu lembro trinta anos depois. Feridas saram mas deixam cicatrizes.
É certo que eu não poderia usar as palavras que uso agora pra ilustrar o que via, mas voltando no tempo, relembrando passagens, eu transcrevo o que minha inocência não teve recursos para fazer. Hoje eu sou o porta-voz, o reflexo de um rascunho de familia perfeita.
Talvez nem eles, crianças crescidas, tinham a sabedoria pra entender as marcas que deixariam dentro de mim, não posso culpar ninguém, mas posso pontuar tudo que foi errado.
Daquela época eu trouxe comigo a imagem e a lição de não fazer nada sem ter a certeza de que aquilo é verdadeiro pra você. Passei anos tentando ser feliz tentando me transformar no que eu não nasci para ser: uma pessoa feliz. Lutei contra aceitar o que aquela criança se tornou, mas como lutar para evitar ser si próprio? Cedo ou tarde eu perderia esta guerra. 
Será que se eu voltasse no tempo, e guiasse os passos tortos daqueles que queriam me ensinar como andar, eu mudaria o rumo da minha vida? Provavelmente não. 
E mesmo assim, trazendo junto comigo incertas respostas e seqüelas, eu aprendi a não desistir. Esta deve ser a maior mensagem que gravei. De nunca se conformar com o que te desagradar. De nunca desistir de buscar a paz, e de não acreditar no que se vê pela primeira vez. Ah, e de que pessoas só ficam juntas quando relevam os defeitos umas das outras. Frase que muita gente gosta de proclamar mas que pouquíssimas conseguem praticar. 
Hoje não existem culpados por um passado distante. Hoje existem os personagens que criaram aquele universo onde eu estava inserido, e o passado deles é irreversível como o meu. 
Eu perdôo e peço desculpas ao mesmo tempo, pois a mesma força que não existiu pra me manter intacto, é o empurrão pra eu ser quem eu sou.
 
Eu me lembro de tudo. E tudo não caberia aqui.