Guardião

Preciso separar o que sinto do que é real. Tirar de dentro de mim este universo de tentativas e erros, de lutas e batalhas sem fim. O que vejo, não mais ver, o que toco, não mais sentir, o que falo, não mais soar, o que faço, não mais ser notado. Deveria tomar mais cuidado em viver, em fazer com que minhas ilusões sejam meus erros, e ser mortal. Simples. Ou talvez apenas não existir mais aqui. 

Quando eu não tiver mais nada a dizer, e as palavras se esconderem dos meus lábios, e um vazio pleno tomar conta da minha alma, eu teria sido derrotado ou vencido? Eu teria dito a mim mesmo que não há solução, é impossível. Dreno minhas forças a cada tentativa, me enfraqueço, me torno mais e mais insuportável e intruso. Luto a cada segundo, eu batalho, mas é sem méritos. Talvez eu teria aceitado mais.

Não posso ser mais o meu reflexo. Deduzir que serei retribuido como retribuo. Eu grito mas para quem? Existem tempestades imprevistas e onde eu vou perder, e não existe saída. Preciso matar aquilo que reage por dentro. Esperança? Força? Insistência? Deve ser subtraída e calar-se. Alguém me acorde deste pesadelo ou me deixe em um profundo coma, onde o vazio preenche todos os espaços.

O mundo aqui é sutil e voraz. Te devora em silêncio. As palavras aqui são ditas em um circulo, rebatidas. Talvez eu chore seco, escorra ardido, me trai e me maltrata, e por isso que eu vivo aqui. Sou apenas cúmplice dos meus próprios pecados, condenado a esbravejar e encolher dia após dia. Apenas cúmplice de uma historia sem personagens ou roteiros, onde eu vivo o herói e o vilão e salvo a mim mesmo. Todo santo dia. 

O que eu digo pra você é tão puro e se torna tão invisível, que me faz querer explodir a cabeça em uma rocha. É tão sensato dentro do seu ninho de confusão, tão melhor que faz mal. Mas eu estou de um outro lado, olhando dentro de você, e é tão transparente pra mim, tão condicional e simples. Todo este tempo eu estive escrevendo sua história e nunca foi lida. Agora tudo é tão vazio.

Cada vez mais eu sinto a solidão das verdades. As faces se vão, esvaindo-se, deixando apenas marcas sem expressão. Por favor, o que eu deveria dizer? De onde eu deveria recomeçar? É claro que eu me sinto mais incomodado dentro de um universo do avesso. Eu estou em um salto de fé sem controle, sem fim, mergulhando no infinito. 

Hoje eu pensei em desligar a razão e vasculhar o submundo da ilusão, fazer com que eu semi-morresse, deixado levar por tentadores métodos de morrer. Hoje eu procurei como sangrar, e não achei saída. Acho que nunca haverá, mesmo que eu apenas ande sem olhar para trás, tudo vai ser carregado. Uma bagunça sem ordem, uma desordem diária.

Só eu respiro meu ar. Luto contra meus demônios e anjos. Reluto contra as noites claro tentando montar todo este labirinto e achar a saída o mais rápido possível, mas ela está aqui, dentro de mim? Ou um borrão se formará quando cada peça finalmente se encaixar? Eu pergunto porque não questiono. 

Alguns acordes, a música que ecoa é triste. Sinfonia da morte e da ilusão acompanha cada pedaço do meu desespero. E é tão fria e vazia, eu escuto seu sarcasmo. Por hoje eu sinto que cansei.

Feche a porta por favor.