Sincronismo

Eu queria paz. Branda, silenciosa, imune a dor, a gritos, estrondos, conflitos. Queria uma brisa leve do mar, um som contínuo, indo, vindo...Queria poder respirar sem forçar, sem suspiros ou fadiga, sem pressa. Fechar os olhos e absorver só aquilo que cativa, que poderia me revigorar, me renascer, me por em um lugar neutro, completamente neutro. Eu quero só isso.
Hoje, ontem, amanha. Não quero competir, lutar, superar, conquistar, derrotar, nada, eu não quero nada disso. Eu quero apenas poder sorrir sem motivo. 
Algo que me levante aos céus, me tire inconscientemente palavras boas, satisfação e glória. Um conjunto perfeito de fatos, fotos, afagos. Um sucesso invisível e imortal. Deste lugar ninguém me tiraria tão cedo. Olha eu aqui, olha eu aqui. 
Quando eu registro aqui eu deixo verdades. Doloridas, alegres, eternas ou momentâneas. Eu deixo um legado. Um livro aberto sobre o que é sobreviver acordado dentro de pesadelos, sobre o que é caminhar entre lobos e cobras, o que é sofrer calado. Eu puxo o que aprendi, escrevo como posso, bem ou mal, certo e talvez errado, me faço entender. Eu acendo a luz que se apaga dia após dia, hora após hora.
É quase sempre assim. Eu começo bem, e me deparo com a desilusão. Grito, ecoa, grito, se cala. Eu mais que ninguém sou só um escravo a mercê de mais um dia. Eu tento separar tudo, mas as vezes é muito muito muito complicado.
Desanimado, deixo a fadiga tomar conta de mim. Ela consome como droga, destrói por dentro lentamente, te envelhece, te seca, te definha. Leva sua imunidade, sua juventude, sua pulsação. Eu estou refém da belíssima fadiga. Ela vence, eu sou o perdedor.
Eu estou longe de casa, ou estou perto? Deixei lá quem me deixou, muitos daqueles que eu amei. Eu perdi, eu perco ainda. Perdi pois talvez nunca tive, porque não quero o que todos querem, eu procuro por mais que posso ver, talvez eu não veja nada do que quero, mas eu sinto, eu continuo sentindo. Eu aqui estou seguro e sozinho, estou salvo e condenado, respirando e doente.
Talvez eu passe por essa vida sem ser notado como eu queria. Talvez após isso, eu até seja, mas nunca irei saber. Não falo de reconhecimento, não falo de fama, falo de respeito e consideração. Talvez quando eu me for, tudo fique claro para aqueles que hoje não enxergam, não notam o tamanho de tudo isso que esta aqui, não notam o tamanho da minha grandeza, essa tal que me leva e traz sempre de volta. Eu sempre estou aqui, e você talvez nunca percebeu o quanto pode ser bom, só vê o mal.
Não me diga que sou incompreendido, não me chame de rebelde, não me menospreze, não use das minhas palavras contra mim, não me engane, não me desdenhe. Pense em mim como algo incógnito, sem regras, sem descrição, sem rótulo. Algo que você admira por desconhecer e por querer entender. Eu sou apenas isso.
Guardo comigo muitas passagens, historias, momentos, pessoas. Muitas pra sempre ficarão vivas e ao alcance quando eu quiser, como eu quiser. Talvez outras desapareçam com o tempo, com a necessidade, com a falta de cuidado em se manter aos meus olhos ou alma. Eu nunca esqueço quem me soma. Quem me vê como soma. Quem me inclui e não agrega. Eu estou aqui para fazer o bem mesmo sem você acreditar.
Tudo isso porque eu queria paz. Aquela, do começo. Eu queria paz. Que ela venha sem que eu precise mais e mais tirar. Que ela chegue antes de mais um amanhecer, antes de mais uma primavera se fazer, antes que eu deixe de crer. Sirvo como cobaia, como exemplo, como motivo, como chaga. Sirvo como peça, pedaço, trapo, estilhaço. Eu só quero a paz.
Não sou poeta, não sou artista. Não sou santo, não sou sequer anjo. Não sou nada além do mesmo. Sou eu mesmo. Obrigado.