Rastro

Fecho os olhos, abro os olhos. Não quero acordar. Desperto em meu último dia de uma vida que não existiu.

Eu queria dormir, eu queria parar o pulsar, assim, num piscar de olhos. Andar por aí sem caminhar com o tempo, um esforço desnecessário, um dia a menos de incertezas.

Eu plantei, cultivei, cuidei, recebi e  vivi. Dói saber que morri.

Mas quem nunca se perdeu na vida? Talvez aqueles que nunca à procuraram. Linhas retas, traçado sem desvios, um só horizonte.

Estou chegando ao ponto onde vou testar os cadeados que me sustentam aqui. Que se quebrem se sucumbirem ao meu desafio. Um dia a mais, dois dias a menos. Hoje tão pouco importa.
Vago por décadas, não são momentos, são eras, dentro de mim. Eternidade pra quem um minuto é um dia, um dia uma vida.

Desta estada levo tudo que deixei, pois nada que conquistei tem força pra marcar a minha passagem, o meu tempo dentro desse momento. Eu já faço parte do esquecimento, porque esquecer é o anestésico da dor.

Não cabem dentro de mim as perguntas e indagações, as frases que não levam a lugar algum, a não ser pro avesso. Quanto mais tento, mais tento, e tentar cansa tanto.

Hoje quando eu novamente fechar os olhos eles se abrirão em um passado caótico, tão desordenado que tão pouco me inspira recriar, mas como posso evitar? Eu ainda não sei.

Mas eu trago as cicatrizes expostas e feridas abertas, doloridas, remediadas porém remexidas. Nada realmente muda por alí, preciso aprender de uma vez por todas.

Hoje encosto mais uma porta sem bater. Como sempre faço, quase nuca tranco, quase nunca esqueço. Deixo entreaberta com um fio de luz, um fio de esperança e uma certeza de retorno, breve ou longo.

Eu vou, porque ir é a única saída quando se quer voltar.