Passageiro

Nos encontramos apenas dentro de nós. Sozinhos, enquanto vivemos ou sonhamos acordados. Criamos aqui dentro um mundo, construímos uma fortaleza que só possui pontos fracos quando baixamos a guarda e perdemos a esperança. Enquanto estamos juntos não enxergamos defeitos, não abrimos feridas, não morremos por dentro.
O inferno só existe quando você esquece onde encontrar o céu, e onde se confortar quando as piores tempestades chegam.
Passamos os dias só, dentro de nosso próprio esconderijo. Ninguém escuta seu choro, ninguém afaga seu rosto, o mais alto grito jamais será ouvido. Enquanto lá fora todo universo hoje é branco, e não existe o eco, aqui dentro a escuridão liberta o que dói mais, e só o vazio transpõe as barreiras que ninguém vê.
Hoje eu amanheci sozinho, como todos os dias, olhando pela fresta e observando um mundo cheio de esperança, fora de alcance, enquanto brilha aos meus olhos cega meus passos. Faço da dor o mecanismo da verdade.
Quero andar sem lembranças, esquecer o caminho da tristeza, redescobrindo a razão de viver enquanto respiro, e respirar a cada dia o que escolhi.
Sobrevivi aos desafios, dos mais cruéis, fui meu algoz, meu juiz, meu júri. Cravei minha sentença e mantive a pena por muito mais tempo que merecia. Nada da minha alma restou para contar a antiga história.
Se eu imaginar a vida dentro do mundo que criei, eu reconstruí meus passos, sepultei meus demônios, levantei castelos e recrutei exércitos enquanto lutava com minhas forças pelo que acredito.
Me de o desafio, me teste, me derrube aos joelhos, ensine-me a entender cada batida dentro do meu peito, eu preciso dessa passagem. Do sentido puro e simples.
Não há nada ao meu redor, nada daquilo que me protege. Gotas da chuva, raios de sol que me fazem bem, como a brisa do vento que sopra e me acorda. Não há nada que me sustente, apenas meu vicio entregue ao destino. Não vivo lá, não existo aqui. Ao meu redor temos pessoas sem história, só estão sentadas ao meu lado, não viajam comigo para nenhum lugar.
A solidão que mata, a tristeza que maltrata. Assim desse jeito, dos mais estranhos, dos mais complicados pois se fosse fácil talvez jamais fosse real. Continuo vivo, sepultando os passos que deixei, recuperando migalhas da minha antiga história e combinando com tudo aquilo que vivo hoje. Daqui deste lugar ninguém pode me alcançar.
Meu santuário, meu túmulo, minha luta.