Calmaria

Nos tempos em que a maré baixa, em que as ondas do mar se transformam em marolas que não nos agridem, eu costumo me calar. Esta calmaria me traz a paz, me ajuda a navegar tranquilo e transpor as amarras sem dor.
Omito a alegria, pois acho que ela incomoda, e agride, aqueles que preferem os distúrbios e as facas afiadas. Eu levo os enxames de abelhas para longe, sem deixar rastro e espaço para que me sigam, tirando de mim aqueles que me fazem bem.
Quando as nuvens passam, quando você se torna mais brilhante, a alegria coagula minhas feridas, estanca os gritos que perturbam e assombram minha solidão.
Falar de sentimentos bons é difícil, me faltam palavras, tão acostumado com o contrário que talvez deva ter criado um dom, por mais estranho e sarcástico que possa ser.
Esqueça o bom.
A calmaria me assusta, perco o foco e embaralho as cartas de novo. Meus braços se fecham, sem afagos, distante de aceitar e acreditar que pode ser possível. Alimento os corvos, sacio a fome por migalhas de muitos, esperanças que nunca se tornarão reais.
O mesmo chicote que fere é o que sana as feridas, duas vias, uma única mão, um túnel escuro e frio, transponho e retorno.
Hoje vejo mais pegadas que passos, mais pistas de onde vim e pra onde deveria ir. Hoje vejo rastros por onde passei e corpos que ficaram ou sumiram.
Levo comigo as lembranças e memórias, ópio, anestésico, entorpecendo a necessidade constante de respostas e entendimento. Não tenho forças ainda pra construir (destruir) as amarras, recuo, passos em falso.
Queria ser capaz de enxergar o futuro da mesma forma que montamos o passado, prova de que nossa história já estava ali, voltamos, e buscamos o que vivemos. Bom seria buscarmos os pontos chave a nossa frente, e o momento crucial onde saímos da duvida.
Talvez amanha, ou depois, esta calmaria dissolva-se em migalhas, me transpondo novamente para dentro de um tornado de duvidas e arrependimentos, e as cartas voltam a mesa, embaralhadas e misturadas. O que eu gostaria é de separar os naipes, sem descartar os curingas.
Péssima analogia...